CORRENTEZA
Tenho um parceiro, Gervásio Cavalcante com quem consigo fazer músicas, cada qual no seu canto, alcançando uma integração perfeita. Quem ouve parece que a canção foi feita por uma só pessoa, ou pelo menos que as pessoas estavam juntas quando a fizeram.
Apesar de que, das cento e setenta e poucas músicas que fiz até hoje, existirem várias que compus a melodia e a letra, confesso que gosto mais de fazer a letra. Todavia com o Gervásio frequentemente faço toda a letra e a mando pra ele, pela internet, com parte da melodia.
A bem da verdade, não lembro se com a “Correnteza” ocorreu assim, mas o fato é que a fizemos juntos. Eu fazendo toda a letra e o Gervásio fazendo toda ou a maior parte da música.
Gostei do resultado e corremos para o Tynnoko, nosso maestro arranjador, para que ele fizesse uma gravação decente de modo que pudéssemos mandar para concorrer em algum festival. Afinal a musica era bonita.
O Tynnoko nos levou para um estúdio, acho que o proprietário era o Cebola ou alguma outra hortaliça e conseguiu fazer uma gravação primorosa, extraindo os sons de todos os instrumentos, com seu teclado mágico. Eu cantei e quem ouve a gravação não diz que aquela orquestra saiu de um só instrumento, tocado por um homem só.
Mandamos para um festival nacional e os jurados não deram a menor bola.
A Letra lembra o perigo para as embarcações, dos troncos parcialmente submersos nos rios da Amazônia, e os compara com a vida do compositor:
CORRENTEZA
(Gervásio Cavalcante e Almir Morisson)
Não sei se eu que levo a vida
Ou se a vida é que vai levando
Ao sabor da correnteza
Sou tronco que vai boiando
Só ponta de sentimento
Perigo pra embarcação
O resto fica no fundo
Afogado na emoção
Quem sabe se a maré cheia
Me mostra o nascer do sol
Ou se encalho lá na areia
Navio que não viu farol
Não sei se eu que levo a vida
Ou se a vida é que vai levando
Sou qual tronco submerso
Na correnteza boiando
Não sei se a luz lá na frente
É fogo ou se é o arrebol
Fogueira queimando a gente
Ou se é brilho de farol
Talvez uma pororoca
Revire meu coração
Será qu’inda tem remédio?
Águas melhores virão?
Acho que não levo a vida
A vida vai me levando
Do tronco não sobra nada
Nem mais a ponta boiando
Soçobra o corpo ferido
O resto vai de roldão
Só sobra, quase sem vida,
A ponta do coração
A melodia, vocês podem procurar no youtube, onde existem várias interpretações, ou no Recanto das Letras, onde coloquei a minha interpretação.
Talvez a frustração por nada ter conseguido no concurso a nível nacional (também era muita pretensão) me fez apresenta-la num show do Clube do Camelo.
A este respeito cabe aqui transcrever um pequeno trecho de uma outra crônica minha já apresentada no livro “É do Camelo”:
“Programei como primeira canção a "Correnteza", cantada por mim mesmo, que, apesar dos ensaios, ainda não estava com a letra bem fixada em minha memória. Como o problema não era só meu, mas também de alguns outros convidados, resolvi colocar uma estante com todas as músicas, em letras garrafais, na ordem de apresentação, na frente do microfone, baixa, mas voltada para o cantor, em vez das tradicionais dálias colocadas no chão, escondidas da plateia.
Já na segunda chamada para o início do show, só tive tempo de conferir se a Correnteza estava à mostra na estante e ir, eu mesmo, chamar o resto dos músicos que, como sempre, estavam tomando a última dose no camarim, sem se preocupar com as chamadas.
Ao abrirem-se as cortinas entrei no palco e, aos primeiros acordes da banda, olhei para a estante e a música... Tinha sido levada pela correnteza. Alguém tinha mexido na minha arrumação e colocado outra letra no lugar. Ainda tentei dar uma procurada, mas não encontrei. Não houve tempo. Tive que começar assim mesmo inseguro e a apresentação daquela música não rendeu o que deveria. Felizmente, a plateia gostou...”
Tentei mais uma vez faze-la emplacar num festival de música de Ananindeua. Afinal, a cidade sendo pequena e a música bonita, talvez tivéssemos alguma chance.
Nada. Fomos verificar e um dos jurados havia dado a nota 9 para a letra e apenas 7 para a melodia e por isso não ficamos entre os classificados.
Injustiça com o Gervásio, não acham...