Vício permitido

Quando pensamos na palavra vício, sabemos logo que boa coisa não é. Vício, originalmente, quer dizer falha, defeito. Existem vários tipos de vícios, drogas ilícitas, que não são aceitas pela sociedade; drogas lícitas, que a sociedade tolera, como o alcoolismo ou tabagismo. Vícios por jogos, pornografia, exercícios físicos e mais alguns inconfessáveis.

Reclama-se muito das crianças e jovens viciados em jogos de computador ( muitas vezes nem são, ainda), mas os adultos também estão entrando nessa linha, há muito tempo. Mas é um vício permitido.

Conheci uma moça, que me disse que detestava atender ligações e preferia sempre mensagens de texto, numa outra oportunidade ela contou também que se sentia sozinha e triste. Então, eu disse a ela, pare de esperar só mensagens de texto. Ligue e aceite ligações de outras pessoas, porque nós precisamos dessa interação, a voz de alguém, pode nos estressar, mas também pode trazer motivação, alegria, inspiração e paz. Passados alguns dias, ela revelou-me que realmente, depois que havia mudado a sua forma de comunicação, estava se sentindo muito menos deprimida.

Certo dia, saímos duas famílias para almoçarmos em um lugar bem legal, num sítio, com brinquedos para as crianças e passa-tempo para os adultos. Assim que chegamos, uma das pessoas pediu a senha do Wi-fi, depois de alguns minutos,.ela já estava totalmente envolvida com o celular. Como gosto de brincar, enviei uma mensagem para ela dizendo: "Oi, querida, estou aqui, em frente a você, do outro lado da mesa, gostaria tanto de conversar com você." Ela recebeu e leu a mensagem,.me chamou de engraçadinha, mas conseguiu voltar para a conversa.

Lembro-me ainda de ir visitar uma pessoa, que foi atenciosa e até serviu-me um cafezinho muito bom. No entanto, nos primeiros 10minutos, ela já estava com o celular na mão e enquanto conversávamos, ela manteve o olhar baixo na maior parte do tempo, nesse ínterim eu só podia notar seus dedos deslizando pela tela do celular.

Senti- me desconfortável e apressei-me a ir embora.

Mas confesso que aquela cena me acompanhou e gerou perguntas como: Será que as redes sociais estão prendendo tanto as pessoas a ponto de não conseguirem ver alguém de carne e osso em sua frente?

Não sei porquê, mas a palavra vício também me faz lembrar de vísceras, aquilo que está por dentro.

Não seria essa uma das razões de as pessoas estarem cada vez mais grudadas nesse mundo virtual? Quer dizer, é como se as redes sociais trouxessem respostas para o que está dentro das pessoas, uma vez que as perguntas são movidas por elas mesmas, há uma certa saciedade viciante e enganosa.

Se procura humor, acha; se procura conversas, acha; se procura algo para comprar, acha; se procura como pintar, costurar ou qualquer outra coisa acha; se procura, acha...

Nessa procura, acaba achando o que nem procurava, pois uma janela sempre leva a outra. Uma aba sempre traz sugestões de outra, assim a aba principal dos relacionamentos que seria priorizar as pessoas que estão diante, ao vivo e à cores, é desprezada.

Contudo, ir contra essa nova "rivalidade" pode nos tornar um tanto desagradáveis, pois, como tem sido uma prática efetuada por muitos, quem sai de errado é quem reclama, nesse caso, talvez seja isso mesmo o melhor a fazer, sair desse triângulo.

Afinal, os eletrônicos expressam o que se traduz por desejo, e lutar contra a natureza desejosa, concupiscente de terceiros é praticamente uma guerra vencida, assim como já é difícil lutar contra os nossos próprios.

Nessa realidade, o que fazer, então?

Bem. Sonhemos. Quem sabe dá tempo ainda? Sonhemos que os seres humanos não percam de vista que interagir uns com os outros é muito melhor, inclusive para a saúde mental, porque por mais falhos que sejamos, ainda somos nós e não as máquinas, que abraçamos uns aos outros nas horas tristes ou felizes.

Claudia Nunas
Enviado por Claudia Nunas em 02/03/2021
Reeditado em 02/03/2021
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