Relatos de um anúncio desacreditado

Há cerca de 10 ou 11 meses já estávamos a noticiar os primeiros casos de contaminação do novo Corona vírus no Brasil. Novo corona vírus, velho, agora dizemos. Avô de muitos netos, já muito andado. Na época seguiu-se um impacto público muito considerável pelo país: se temia que a situação da Itália, em plena guerra contra o vírus, fosse repetir-se no Brasil. Municípios fecharam as entradas, mesmo sem nenhum caso investigado ou confirmado. Decretos fecharam os comércios e os serviços não essenciais. Se isso fosse feito hoje, diria que os chefes de estado seriam linchados pelas vias da Web. Mas o fantasma veio sorrateiro, tendo sua letalidade questionada. Passada a propaganda de cada prefeito para mostrar trabalho diante da nova ameaça (talvez em vista das eleições de outubro daquele ano), foram revogadas as restrições. Contudo, já circulavam discussões, por vezes acaloradas, se valia a pena fechar o comércio, ou sobre a importância da economia e o peso de vidas humanas. Argumentou-se que prejudicar a economia seria algo tão letal como o vírus. Hoje, sabemos, e claramente se nota, perante a incredulidade de muitos, que medidas restritivas e preventivas, por vezes duras para o comércio, seriam bem mais benéficas para o futuro da economia, se tivessem sido adotadas antes. Desde o início o distanciamento social fora recomendado. As festas desaconselhadas, proibidas e vexadas. A higiene, exaustivamente pregada. A máscara para cobrir boca e nariz chegou pouco tempo depois.

A esfera federal não achou pertinente elaborar estratégias de contenção. Não fez campanhas de alertas ou recomendações à população. E não preparou a máquina pública para o porvir. Os estados e municípios executaram as ações por si, em descompasso entre vizinhos. Conforme a personalidade e ideologia de cada administrador as cidades tinham maiores ou menores restrições.

O número de mortos começou a aumentar dia após dia, e a cada marca de dez ou cinco mil a tensão aumentava, e a cobrança pública por ações expressivas fazia algum barulho. Os picos de casos determinavam as medidas restritivas, sempre amainadas, pois evitavam desagradar setores econômicos.

Médicos, secretários de saúde, infectologistas e demais profissionais da saúde quase arrancavam os cabelos em discursos nas emissoras de rádio e TV, alertando a população para tomar os cuidados pertinentes. Mas a competição com as redes sociais foi e continua sendo desleal: os boatos dos grupos de amigos, igreja, trabalho e família afirmavam a mais fatal das verdades, ou seja, a verdade de cada um, a verdade "boatífica", comprovada, do "eu acho!".

A população se descuidou. O poder público, desorientado, foi conivente com muitas exposições: a eleição, "vish!", nem pensar em adiar. Ao invés disso, vamos fazer campanha para o povo comparecer. Vendas de fim de ano ... deixe passar. Festas de família ... deixe estar, é Natal ... a festa da vida e da paz.

O vírus soube mudar de roupagem: em outubro era eleitor, que foi as urnas votar; em dezembro era Papai-Noel; em janeiro era banhista, que desceu para tomar sol na praia; em fevereiro vestiu fantasia de carnaval, e dançou alegremente nos blocos ilegais. Em março, que surpresa, se mostra o que sempre foi: o coveiro.

Por vezes, diferentes cidades ou regiões adotaram o fechamento quase total dos serviços, com muitas críticas. Poucos se valeram dessas medidas. Alguns recuaram diante da pressão do comércio e de outros setores econômicos e políticos. A total falta de coordenação mútua tornou ineficaz meias medidas distribuídas pelo território nacional. O vírus, favorecido, encontrou tempo e terreno para se adaptar às diferentes condições e se dispersar em diferentes variantes. Era uma questão de tempo para ele se aproveitar do descuido geral.

Até ano passado falava-se em curvas de comportamento da pandemia, exibiam-se gráficos, esperando que o Brasil espelha-se o caso de outros países: um pico pandêmico e uma posterior queda gradativa. O pico vinha sendo anunciado com até certa ansiedade. O fim da pandemia já anunciava-se. Hoje já não se ouve falar da tendência da curva: a ansiedade pelo fim mudou-se em desespero diante do inesperado. Consultamos o gráfico apenas para constatar uma linha irregular em ascensão. Falava-se em uma onda de contágios, com a certeza de seu pico, redução e passagem. Agora nem sabemos em que onda estamos, ou se onda é, pois se faz inundação.

A paciência esgotou-se. As meias soluções já foram experimentadas. A inundação chegou, estávamos molhados, com frio, mas insistíamos em cantar parabéns, pois era festa de aniversário.

As portas se fecham mais uma vez. Esperou-se demais. Concedeu-se demais. Um Profeta disse: "... tendo olhos, não vejam, e tendo ouvidos, não ouçam". O que era pra hoje estar renascendo, está moribundo. O que seria um novo começo, está longe do final. Na ânsia do manter a todo custo os bens e serviços a curto prazo, comprometeu-se a vida, a economia e a sociedade, a longo prazo.

Neste difícil mês de março de 2021, escrevo essas palavras, vendo o cenário de tensão em todo território nacional. Desde Dezembro os estados tem vivenciado, região após região, o eminente colapso de seus sistemas de saúde. O Amazonas caiu em desolação. Roraima está em crise. Estados do Norte transferem seus doentes. Cidades de Santa Catarina pedem socorro. O Rio Grande do Sul se fecha. São Paulo prevê um colapso e baixa um decreto.

Um ano faz que cientistas e profissionais haviam nos alertado. Mas como no filme de um desastre, cientistas foram ignorados. Não é como se hoje se desse a palma de ouro para os cientistas: a ciência ainda parece ser vista com desconfiança por muitos, e amanhã haverá quem faça piada de suas recomendações. Mas para impedir a ruína, foi feito o que recomendaram os engenheiros, já que as rachaduras ficaram expostas, e os pilares estão cedendo.

"O que fizemos de errado ?...". perguntaremos depois. Enfim, quero acreditar, sendo bem otimista, que essa pergunta seja feita daqui algum tempo.

03 de Março de 2021, General Carneiro - PR, Brasil

Diego Maguelniski