SÁBADOS NOSTÁLGICOS
 
Um derradeiro facho de luz de sol invade minha sala.
Joga cores e luminosidade no ambiente , até então, encolhido ao fosco da tarde.
É sábado, e os sábados me são costumeiramente nostálgicos.
Sentado, ponho-me a espiar parte da sala que agora ganha vida e uma claridade vigorosa reflete-se sobre o surrado arranjo de flores artificiais na mesinha de centro como que fora um sol de primavera buscando um canteiro num jardim do tempo.
Um gole e outro em meu café e vou ruminando tardes longínquas de sábados em minha existência.
Anos 70.
A casa é aquela mesma por onde as pereiras varriam parte do telhado, as peras despencavam em noites tenebrosas de tormentas e estatelavam-se terreiro abaixo.
Há um rádio sintonizado na rádio Universo de Curitiba, transmitindo um jogo qualquer.
Diante de um pequeno espelho papai pincela a face com generosa camada de espuma e já no primeiro deslisar da lâmina, um palavrão!
Impressionado com a narrativa do locutor que berra o primeiro gol do time adversário, um pequeno corte na altura do queixo.
Tudo passageiro e o barbear prossegue entre um assobio e outro e os jingles chamativos da emissora paranaense.
Próximo à janela, minha mãe persiste na faina de "criar" biquinhos e toalhinhas de crochê.Um olhar atento nos fios e agulha e outro na casa do forno onde a "fornada" de pão já rescende pelo quintal misturado ao cheiro quase sagrado da vassoura de mato queimada em suas pontas.
Na casa ao lado, tia Flora rastela o céu da tarde com seus olhos de polaca como querendo tivesse asas o coração para voar até onde os filhos se encontram.
Um longo suspiro na janela, depois deixa-se engolir pelos cômodos da moradia.
Mugem as vacas na porteira e, feito uma senha, respondem os gansos à beira do riacho.
Tudo tão...Tão...
[ Nostálgico ]
Fazendo parte do cenário, este que vos escreve, para não criar possíveis atritos com aquele que ora barbeia-se nem com a outra que tece os sonhos em fio e agulha, está fechado num paiol à média distância da casa onde mora.
Não há energia elétrica por lá, assim "hajam pilhas !" para alimentar o som que alardeia-se entre as paredes rotas do pequeno casarão.
Pobres tímpanos das prováveis ratazanas, já que o som explode em toda a sua capacidade.
1973 - Estamos vivendo o auge das fitas cassete e "Pholhas" é a bola da vez.
Deitado numa rede, entre um "She made me cry" e "My mistake", viajo na maionese, procrio sonhos, libero-me para todas as possibilidades.
Quando a boca da noite morde as sobras do dia, estou pronto para entregar-me a divina loucura de ser feliz.
Cheirando a "Rastro", ganho os espaços sagrados de minha Vila.A namorada está mais linda de que antes e me espera no portão.
Faíscam estrelas em céus de nossa juventude e a noitada de sábado é uma gloriosa viagem que presume-se sem fim.
Cúmplice de nossa felicidade, a lua nova desenha uma cedilha , em céus claros de nossas noites.
Agora esta luz intensa a instigar-me os sóis de meus melhores dias...
Eu, aqui...Tão pensativo entre um gole e outro de café.

Clique no  link  abaixo  e  ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=XebsVDSdo7U