UMA PALMEIRA EM MINHA VIDA
Tenho uma palmeira que me acompanha há muitos ciclos, assemelhando-se aos antigos anciães que vivem a espera de um afago. Por muito ciclos, a compassiva palmeira sofreu o peso de minha ingratidão, desrespeito e cegueira. Eu não observava a sua beleza, força, proteção e as etapas de floração. Ingrata que fui, abismei com uns cachos que saíram dela. Pensei que fossem frutos, e o jardineiro ainda mais abismado me indagou:
- Qual o motivo do espanto?
Por quase duas décadas os cachos anunciavam que novas folhas nasceriam. Envergonhada, despertei para a minha correria desenfreada que buscavam atender as solicitações capitalistas e as de outrem arrancando-me o prazer de contemplar o espetáculo que ocorria no meu próprio lar.
Busquei em tantas árvores, imaginárias e reais, o aconchego que queria e não enxergava a bravura e a bondade da minha própria. Mirei e imaginei o tanto e por quanto tempo desejou o meu olhar, a minha atenção e os meus cuidados. Tantas vezes deve ter gritado:
- Olha para mim! Estou aqui para ti! Estou aqui para ser tua conselheira! Estou aqui para te proteger! Estou aqui para amenizar as tuas dores morais e emocionais! Estou aqui para energizar as tuas forças! Estou aqui para te impulsionar a crescer e a seguir!
Emudeci e percebi o quanto na luta desenfreada do trabalho não queria ter mais trabalho. Quando plantei a palmeira, tão pequenina, julguei que não se desenvolveria tanto e logo morreria. Tolas certezas que refletem nossa arrogância em achar que detemos o controle de tudo ou que somos sabedoras de tudo. Ela cresceu e sobreviveu em meio aos inteperies  do tempo, mas mesmo precariamente apresentava uma beleza sem igual. Poderia ter morrido, entretanto, ainda resistia na esperança de um dia ser olhada com compaixão por mim e não ser mais apenas uma palmeira a decorar meu maltratado jardim.
Os jardineiros faziam o que queriam, cortavam-lhe as folhas sem pedir licença ou permissão. Engraçado como eles sempre reclamavam de o quanto eram furados pelos espinhos ( não entendíamos que se tratava apenas de uma defesa da natureza). Incredulamente, algumas vezes, pensei “ela não deve ter gostado de você ou de seu modo de podar ou cortar”, porém, eu nada fazia para mudar com a confortável desculpas de que não sabia ou não poderia fazer ou que o jardineiro precisava do serviço.
Pensando naqueles tempos, silenciei e me senti culpada, envergonhada, ingrata e injusta. Minha palmeira sobrevivera, mesmo sem a minha reverência, sem meus cuidados mais amorosos e sem o reconhecimento de sua grandiosidade. Como amar algo fora de mim, se eu não conseguia amar nem a mim mesma? O importante no amar, ilusoriamente, é amar apenas os outros? – pensei. Como poderia cuidar de algo, se não sabia cuidar nem de mim mesma? Na realidade, vivia esperando que outrem cuidasse de mim, pois imaginava que os outros sempre teriam mais autoridade ou saberiam o melhor para mim. Como poderia me dedicar a algo que não despertava a admiração pela honra de possuir? Talvez, porque "a grama do vizinho sempre parece ser mais vistosa". Como pude ser tão fria, indiferente e tola? Por trás da casca grossa da maioria das pessoas existe sempre um ser desejoso de dar e receber amor, mas em muitos casos permanecem presos na ilusão de que a exterioridade é melhor e mais bonita que o nosso interior. Habituamo-nos a olhar para o que não temos esquecendo de agradecer pelo que temos.
Passaram-se os dias, comprei uma tesoura e com muito cuidado pus-me a retirar as folhas que já estavam adoecidas, quando me dei conta que o caule era ornamentado magnificamente pelas folhas que se foram. Compreendi que as folhas que se foram obedeceram ao ciclo natural da vida e lembrei do meu sistema familiar, daqueles que vieram antes e abriram o caminho sustentando o caule para que eu pudesse existir hoje. Orei e supliquei aos Céus para que os corações alheios a magnitude da vida possam despertar para o bem maior, que possam se despir da cegueira que os enchem de mágoas e ressentimentos pela sua própria árvore genealógica, a nossa ancestralidade.
O tempo passara, em meio as estas reflexões, adormeci e vi criancinhas negras sorrindo ao entrar nas raízes daquela palmeira. Acordei assustada e contemplativa, afinal, quem seriam aquelas crianças? O que elas queriam que eu visse, descobrisse ou compreendesse? Não obtive resposta. Meses passaram até que outro sonho me mostrou: umas crianças e uns senhores me convidando a ajudá-los a cavar um buraco ao lado da raiz da minha palmeira. Indaguei-lhes:
- Quem são vocês? O que querem com a minha palmeira, logo agora que estou cuidando dela? Se eu cavar, ela morrerá?
Eles apenas sorriram e disseram:
- Venha nos ajudar estamos em festa!
Levantei e corri até o meu jardim, as folhas da palmeira dançavam no compasso do vento, ao som dos bem-te-vis e as onze horas todas sorriram para mim. Senti um mix de alegria e tristeza. Horas depois, ouvi a notícia de um desenlace de um ente familiar.
Apenas orei e agradeci por ele ter cumprido o seu ciclo, e queira Deus que os céus estejam em festa também quando eu retornar a pátria espiritual, junto com tantas outras palmeiras a esperar por mim.





 
Aretuza Santos
Enviado por Aretuza Santos em 07/03/2021
Reeditado em 07/03/2021
Código do texto: T7200328
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.