Esmola para a opulência

Com olhar vidrado, passo cambaleante, braço estendido e voz sumida numa súplica, aquela mulher ainda jovem, que mal se sustem de pé, chama a minha atenção sempre que atravesso a rua, frente à Estação do Rossio. Da última vez que a vi, não pude deixar de evocar as imagens televisivas da inauguração da grandiosa Catedral da Santíssima Trindade, no passado dia 13 de Outubro, em Fátima.

Interrogo-me sobre as razões que levaram a Igreja a usar os donativos dos peregrinos para a construção de mais uma Catedral, desta vez a quarta maior no mundo; interrogo-me se, para lá entrarem, os crentes terão de pagar €1.00 como constatei, numa recente visita à Sé Catedral de Évora; interrogo-me sobre o que a Virgem pensará de tais edificações quando o País, que ela escolheu para passar a sua mensagem, volta as costas a milhares de pobres e onde a caridade se fica pelas igrejas, sem sair à rua.

De que nos servirá o prestígio e a glória de mostrarmos ao mundo uma Catedral para albergar o Divino se não albergamos corpos debilitados e oprimidos pela miséria? Devíamos sentir-nos envergonhados, tal como Cavaco Silva, que só há semanas se inteirou do índice de pobreza em Portugal.

Num país onde algumas mães matam os filhos, há 7 casos de violência doméstica por semana, mortes ocorrem por escassez de meios ou negligência hospital, os mais idosos passam ao abandono e solidão, em questionáveis condições de lares de terceira idade, inúmeras pessoas carecem de abrigo, continuamos a importar-nos mais com a imagem de grandeza que queremos projectar além fronteiras. Testemunho disso, e a competir com outras do género, temos agora mais uma obra que ficará na História. Entretanto, lembrando as palavras do nosso Presidente, convencido que o Estado só por si não conseguirá resolver os problemas de pobreza, pergunto-me se a Igreja não poderia dar uma ajuda ao Governo, em vez de gastar milhares de contos na construção de templos. E pergunto-me também se esses templos têm a ver com a necessidade remota de subornar o Divino, no intuito de sermos bafejados com a Sua clemência quando, afinal, nós próprios não nos compadecemos uns dos outros.