Mistérios do amor: razão e emoção

Meu nome é João Ninguém. Podem rir, já estou acostumado. Uns dirão que é bullyng, outros que é apenas brincadeira. Mas eu atribuo toda responsabilidade desta tragédia ao meu pai que me registrou bêbado em Matão, uma cidade pequena do interior de São Paulo. João Ninguém da Silva, sobrenome muito comum, segundo nome bem incomum. J. K. Rowlling, a  extraordinária escritora da saga Harry Potter disse numa palestra que fez em Harvard que existe um tempo para atribuir aos nosso pais a responsabilidade de nossos reveses. Eu discordo, penso que é igual crime, elas está prescrevem. Mas o tempo de prescrição varia de acordo que com a maldade cometida. E colocar o nome de João ninguém num filho... bom, deixemos pra lá. Minha filosofia de vida, siga em frente.

E já que falando de situações inusitadas, eu me recordo de Carlos Henrique, um camarada muito sonhador e tão fora dos costumes da sua época que não raro ele era chamado de louco. Estudamos juntos desde a primeira série e nos separamos somente quanto terminamos o que hoje é chamado de ensino médio.

Um rapaz com muita facilidade intelectual, 1,76m aproximadamente, 70 kg, olhos e pele claros. Não era o rei da beleza, mas não era totalmente destituído desse atributo. Era uma pessoa de uma inteligência racional muito grande, amante das ciências exatas. E, paradoxalmente, era um romântico. Era alguém que nunca teve problema para arranjar namoradas, e teve até boas histórias que poderá contar para seus netos um dia. Mas agora, no ano de 2001, ele estava loucamente apaixonado por Karina. 

Eles se conheceram no ambiente virtual dos famosos bate papos de um site que não me paga para divulgar seu nome. Logo começaram a se falar por telefone e varavam horas conversando sobre os mais variados assuntos sem se darem conta do tempo que estavam ao telefone. 

Certa vez, depois de uma palestra que eu fazia, entrei numa lanchonete da cidade de Taquaritinga e lá estava o rapaz, Ali próximo da praça central havia uma faculdade onde ele cursava sistema de informação, estava no quinto ano. Como em toda faculdade, havia lanchonetes por perto, onde os jovens universitários costumavam se aglomerar, quando ainda não havia a necessidade de isolamento por causa da pandemia de 2020, e Carlos Henrique estava sozinho, tomando uma cerveja, mas pelo jeito não era a primeira que ele tinha Tomado. 

Eu o vi e fui cumprimentá-lo e fui muito bem recebido. O rapaz foi educado como sempre, mas eu sentia que ele estava angustiado. Ele me convidou para sentar e aceitei. Carlos sabia de minha busca espiritual e de que minhas palestras eram nesse sentido. então, ele se dirigiu a mim da seguinte forma: 

- Meu caro filósofo, sei que é um estudioso dos assuntos da alma, e gostaria muito de sua opinião sobre uma questão que nunca foi um problema para mim. Eu sempre tive relacionamentos duradouros, relativamente duradouros, ao menos. Mas conheci uma moça na internet com a qual tive muita afinidade e conversamos bastante. Ela não parece nutrir o mesmo sentimento por mim, mas eu confesso que gosto muito dela como uma mulher mesmo. Gostaria muito de me envolver para um futuro namoro. E como nós conversamos muito, mesmo ela me dizendo que não quer namorar no momento, eu fui aos poucos me declarando e pedindo a ela que desse a nós uma chance de fazer essa amizade tão intensa se transformar em um possível namoro. Não pedi que fosse de repente, mas afirmei que teria muita paciência e que e respeitaria o tempo dela. Pois bem, ela me fez uma proposta no mínimo diferente. disse que gosta muito de conversar comigo, mas que também conversa com outra pessoa. E com com essa é mais pessoalmente do que ao telefone. Mas que gostaria de sair por um mês sem que eu ligasse para ela. Iria ficar sozinha e pensar nessa situação e, então, me daria uma oportunidade. 

Como o rapaz parou de falar e pegou seu copo de cerveja e tomou um gole, achei que ele queria que nesse momento desse minha opinião. Eu o fiz:

- E como você se sentiu, Carlos, com essa situação? 

- Desconfortável. Mas por outro lado penso que é um tempo para mim também pensar se realmente é o que quero. Nunca aconteceu de gostar de uma pessoa assim, sem ter antes um flerte, paqueras normais. Enfim, geralmente essas coisas acontecem de uma forma mais natural.

- É meu amigo, parece que você já tem a resposta. 

- Como assim? Achei que ia me falar como funciona o amor do ponto de vista espiritual, citar alguns livros e alguns filósofos que decorreram sobre esse assunto. Confesso que fiquei extremamente contente quando vi você chegando e por saber de sua bagagem Espiritual. Enfim, esperava mais de você, meu amigo pensador. - disse Carlos num tom de brincadeira, mas com uma clara decepção.

E num tom leve de quem realmente não se vê como narrava o rapaz, eu respondi:

- Nós poderíamos, sem dúvida alguma, falar de amor. E não faltaria material, já que é o assunto principal dos filósofos, dos poetas, até mesmo a ciência anda pesquisando e nos fornecendo material sobre essa tema. Mas não entendo o que o amor tem a ver com a situação que em reportou há pouco. 

Carlos Henrique me olhou surpreso, mas como não comentou nada eu continuei: 

- Pois o amor é fruto do relacionamento. É atitude e não apenas sentimento. E no seu caso ainda não há relacionamento. 

Mas poderíamos ainda falar sobre o mistério desse sentimento que nos leva a ficar interessados por algumas pessoas e que também rotulamos de amor. Mas que está mais ligado à paixão, a um desejo desenfreado e descontrolado de querer estar juntos. E que muitas vezes, depois de nos relacionarmos, culmina de fato em amor. 

Portanto, razão e emoção se misturam quando a questão é relacionamento afetivo. O que faz a diferença é como separamos estas duas coisas. Não há problema nenhum em se sentir atraído porque quem quer que seja. Mas o ponto que interessa para a manutenção de nosso equilíbrio é: vale a pena continuar?

Carlos Henrique continuou tomando sua cerveja e eu pedi licença para seguir para minha cidade. Nos despedimos afetuosamente e nos falamos mais. Pelo menos não pessoalmente. Depois de três meses recebi um e-mail do meu amigo romântico que dizia: 

- Caro João Ninguém, seu pai não poderia ter sido mais infeliz na escolha do seu segundo nome. Eu me explico: aquela conversa que tivemos com poucas palavras me mostrou que o importante não é de fato a quantidade, mas  a qualidade. Já que ela me levou a reflexão e a determinação de que aquela situação não me serviria. 

Eu sai da lanchonete determinado a ligar para Karina assim que chegasse em casa, mas consegui entender que bêbados não são conhecidos por escolher bem as palavras. Decidi então aguardar o dia seguinte, e mais um dia, e na verdade mais um. Eu realmente sentia uma paixão avassaladora por aquela pessoa com a qual eu tive tão pouco contato. Mas eu não conseguia notificá-la de minha decisão. Era a emoção vencendo minha razão e aquilo me fazia muito mal. 

Até que num estalo tive uma deia que também não foi fácil de executar. Peguei o telefone e liguei para a moça objeto de minha paixão, que me atendeu extremamente nervosa, como era, aliás, da sua natureza. E eu sabia na verdade que essa seria sua reação. Karina me insultou das maneiras mais variadas e desligou o telefone. Fui um covarde, você pode pensar. Pois deixei ela terminar o que não começamos, quando eu sabia que era o que eu deveria fazer, dizer a ela que não seria bom. Que eu não sentia agora que seria algo bom. Mas dizem que no amor e na guerra vale tudo. e como você mesmo me disse naquela lanchonete, amor é outra história. Eu estava na guerra. Minha razão contra minha emoção. 

Sem mais tomar o seu tempo, eu me despeço com um grande abraço e votos de continuem dizendo muito com poucas palavras. 

De seu amigo, Carlos Henrique.

Pois é, eu avisei que o rapaz tinha uma inteligência racional muito grande. E ao contrário do que ele pensa, eu o considero uma pessoa muita sensata. Que sabe a hora de abrir mão, custe o que custar. Que mais que ouvir alguém, sabe ouvir a voz de sua alma.