ANNE FRANK

RELER OS CLÁSSICOS

Nelson Marzullo Tangerini

Depois de quase 40 anos, volto a reler o Diário de Anne Frank, daquela menina judia que foi sequestrada pelos nazistas na Holanda ocupada e que, por fim, veio a morrer num campo de concentração nazista.

Faço isto depois de ler o Tatuador de Auschwitz, de Heather Morris, que narra a dura e triste história de Lale Sokolov e Gita, um casal de judeus eslovenos, também capturados pelos nazistas.

Considero clássicos todos esses livros que resgatam a história do holocausto. E em momento algum vou citar o nome daquele monstro que proporcionou tanto sofrimento aos judeus e suas famílias. Sei que seu nome, infelizmente, entrou para história, mas não quero citá-lo aqui.

Quanto ao Diário de Anne Frank, sugiro que o livro passe por uma nova e rigorosa revisão, uma vez que há inúmeros erros de português nos textos traduzidos. O tradutor, por exemplo, não respeita os verbos reflexivos e seus respectivos pronomes.

As cartas de Anne oscilam entre a tensão, com aviões alemães sobrevoando e bombardeando a Holanda até a relação conflitante entre famílias judias morando debaixo do mesmo teto (um esconderijo) , passando pela paixão de Anne por dois Peters e o racionamento de alimentos.

Como escritor, destaco momentos em que Anne demostra seu amor intenso (Carta de terça-feira, 4 de abril de 1944) pela escrita e seu desejo de ser jornalista ou escritora:

“O crítico mais severo dos meus textos sou eu mesma. Sei que está bem ou mal escrito. As pessoas que não escrevem não imaginam quanto prazer isto pode dar. Antigamente, tinha pena de não saber desenhar. Mas agora sinto-me feliz por saber, ao menos, escrever. E se não tiver talento suficiente para escrever livros ou artigos de jornal, enfim, sempre me restará escrever para meu próprio talento”.

Anne escreveu seu Diário entre 13 e 14 anos, e notamos que ela não se tornaria escritora, mas, sim, que nascera escritora. E, por momentos, passou-me, pela cabeça, a carreira longa da escritora e filósofa Hanna Arendt, autora do livro “As origens do autoritarismo”, embora Hanna não tenha passado pelo sofrimento pelo qual Anne passou.

A humanidade perdeu, enfim, uma grande escritora. Ou uma grande filósofa. Ou uma grande historiadora. E isto me causa uma dor interior muito grande. Porque também sinto, dentro de mim, essa paixão louca pela literatura e pelo conhecimento.

Anna prossegue, na carta de terça-feira, 4 de abril de 1944:

“Quando escrevo, sinto um alívio, a minha dor desaparece, a coragem volta. Mas me pergunto: algum dia escreverei coisa importante? Virei a ser jornalista ou escritora? Espero que sim, espero que de todo o meu coração! Ao escrever, sei esclarecer tudo, os meus pensamentos, os meus ideais, as minhas fantasias. (...) Pode ser que nunca acabe aquilo e que vá parar no cesto de papel ou no fogão. Não é uma ideia agradável, mas penso: catorze anos e com tão pouca experiência, ainda não se pode, afinal, escrever uma história filosófica.

Não quero perder a coragem. Tudo tem que dar certo, pois estou decidida a escrever”.

E conclui, na carta de quinta-feira, 6 de abril de 1944:

“Gosto de saber coisas sobre escritores, poetas, pintores e sobre a história da arte”.

Anne, que se dizia apaixonada, também, e acima de tudo, pela História, deixou um documento valioso para o futuro da humanidade, porque a missivista sabia que o estudo da referida matéria poderia nos servir como um exercício de aprimoramento humano, quando olhássemos para o passado. Ela sabia, embora pairasse sobre ela a dúvida, que aquele momento, décadas depois, seria História.

Retratei aqui um momento do Diário, no qual ela me toca, falando sobre literatura.

O livro é valioso registro porque a menina de 14 anos desenhava, em seu Diário, a futura grande escritora que perdeu a vida num campo de concentração nazista, não chegando, portanto, a ser um grande vulto da literatura universal.

Mas a História, inimiga dos ditadores, vem sendo jogada no lixo mais uma vez; desta vez por um neofascista de plantão, tão preocupado em armar a população, quando devia estar preocupado em construir escolas e distribuir livros para as futuras gerações.

Um louco chegou ao poder na Alemanha, com seu ódio a judeus, ciganos, índios, negros e gays. Eleito também pelo povo, que acreditava ser ele um mito, ou o Messias, dirigiu o holocausto, que dizimou mais de 6 milhões de judeus.

O louco tupiniquim pode ser barrado em suas pretensões, se o povo brasileiro se levantar, se desejar folhear os livros de História, buscando o capítulo do holocausto.

Esperamos que este louco, que hoje governa o Brasil, dure menos tempo no poder do que aquele louco que dirigia a Alemanha com mãos de ferro, enquanto abreviava inúmeras vidas humanas.

Antes que o estrago seja bem maior, devemos estar atentos para que a futura geração não caminhe para o abismo. Ou o poço sem fundo.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 07/03/2021
Código do texto: T7201139
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