Namorar Aninha era fácil

Eu ia para  São José do Rio Preto, interior de São Paulo, fazer uma das minhas palestras, quando me lembrei que lá morava uma amiga minha, Aninha.

Ah, que amiga especial, de olhos verdes e pele clara. Estava com 44 anos, embora com aparência de trinta. Já tinha dois filhos e era totalmente independente. E sempre ajudou os homens com os quais se relacionou.

Enviei uma mensagem via whatsapp para Aninha que, diante da disponibilidade do seu trabalho naquele dia, prometeu aparecer para que pudessemos nos ver a matar a saudades dos longos papos que tiveramos quando morei naquela linda e grande cidade por alguns anos.

Mulher de palavra, lá estava ela. Depois de uma hora explanando a importância do amor próprio, nós nos abraçamos como fazem duas almas que se respeitam e que adoram a presença uma da outra. Fomos para uma padaria ali por perto, já que estávamos próximo das dez horas da manhã. Pedimos um pingado e um queijo quente. E começamos a nos lembrar de quando trabalhávamos juntos, e tínhamos inúmeros momentos como esse na copa do hospital de base daquela cidade. Aninha era radiologista e eu trabalhava na área jurídica.

Mas percebi que alguma coisa angustiava a minha tão estimada amiga. Resolvi perguntar:

- Pode falar o que a senhorita está me escondendo e que está te deixando com essas ruguinhas na testa que nada combinam com sua jovialidade. 

Aninha sorriu e me respondeu em tom de desabafo:

- Recebi o fora mais inusitado de toda minha vida, amigo. Estou até agora pensando naquela palavras que sem que eu entenda, parecem me trazer algum conforto.

- Hum, mulheres lindas e inteligentes não poderiam mesmo tomar um não de forma convencional. - respondi em tom de brincadeira para deixar o clima mais leve.

Aninha sorriu e continuou:

- Eu conheci um rapaz que trabalha com tecnologia da informação e logo tivemos uma afinidade. Eu sabia que ele tinha se separado há seis meses e que, assim como eu, tinha dois filhos.

Ele me convidou para jantar e foi uma noite extremamente agradável. Realmente um cavalheiro, um bom papo. Estava tudo bom demais para ser verdade.

Ficamos juntos, sem rotular a relação,  por três meses. Pela primeira vez eu me sentia, eu me sentia...

-  ...a mulher da relação. - eu concluí. E rimos muito juntos.

- Sim, João Ninguém. Pela primeira vez eu era bem cuidada e, embora seja uma mulher independente, estava adorando ser tratada com romantismo.

Inesperadamente a vida nos levou a ficar por quinze dias separados. Fui fazer um curso em São Paulo e nesse período ele se aproximou da ex dele, devido ao filho mais novo ter ficado doente.

Quando eu voltei eu o procurei, pois senti que ele estava diferente comigo quando nos falávamos por whatsapp. Aliás, nem por telefone nos falamos nesse período, o que não era comum. Ele apenas disse que era melhor continuarmos apenas amigos.

Mas enfim, era uma sensação de não estar feliz com o final do nosso relacionamento, mas ao mesmo ter uma sensação de paz. Estranhamente eu aceitava aquela situação sem saber o porquê.

E nosso afastamento aconteceu assim, sem brigas, éramos novamente apenas colegas de trabalho. Mas teve um dia, depois de três meses da nossa conversa que determinou o nosso status quo, numa situação inesperada, estávamos sozinhos na copa e não resisti. Fiz a pergunta:

- Por que? Tenho o direito de saber, não tenho?

Ele sorriu cabisbaixo e respondeu sereno:

- Com toda certeza você tem o direito. Eu queria poder responder isso. Queria saber a resposta, e talvez antes de me relacionar contigo eu teria a convicção de saber. Mas como uma mulher espiritualizada que é você me fez enxergar que tem questões que estão além da nossa simples razão.

Mas eu poderia dizer, e peço que entenda com a alma, que namorar você é algo extremamente fácil. Talvez tenha sido essa a razão de não darmos certos.

Aninha me narrou essa história com muita serenidade e eu podia visualizar a situação enquanto ela me contava. Era como se suas palavras me jogassem num filme. E como eu não falei nada, minha a minha amiga perguntou com sua alegria natural:

- Ninguém vai dizer nada?

Rimos do trocadilho e eu depois de refletir um pouco, respondi:

- Olha, minha amiga, tem tantas coisas que não sabemos. Como dizia o grande de dramaturgo Willian Shakespeare, existe muito mais coisas entre o céu e a terra do que pode supor a nossa vã filosofia.

Mas se você me pergunta do ponto de vista espiritual eu acredito que ele foi muito inspirado quando te respondeu. Namorar uma mulher fantástica como você é realmente muito fácil. Tem poucos obstáculos. Mas como somos Espíritos que reencarnam para se graduar na ciência do amor, muitas vezes vamos encontrar criaturas não tão fáceis em nossas vidas. Para que possamos ser úteis a elas e aprender sobre a diferença entre amor e sensualidade apenas.

Aninha me interrompeu com um ar muito preocupado:

- Isso significa...

A nossa sintonia habitual era imensa,mas naquela conversa com certeza a espiritualidade intensificava essa sintonia de tal forma que eu sabia o que ela iria dizer.

- Não, Aninha. Não significa que devemos procurar desequilibrados para ser úteis. Que devemos, a pretexto de sermos espiritualizados, cometer o desatino de focar em tirar da lama aquele que ali se compraz. Ou aceitar violência em nome do destino. Ou, ainda, imaginar que estamos aqui para sofrer, sem o direto de buscar a nossa felicidade. Significa tão somente que aquelas coisas que não podemos mudar, que acontecem de forma natural e que vão além de nossa compreensão não devem nos causar revolta contra o Autor da Vida.

Isso serve também para nos tirar da inércia social e construir um mundo melhor. Construir leis melhorares e entender que existem doentes espirituais de todos os tipos. E que algumas vezes o remédio é o isolamento social nas cadeias que teriam a função de reeducar esses espíritos.

- João, eu entendo o que você quer dizer. Na verdade era como se eu já soubesse de alguma forma, lá no fundo de minha alma. Mas essa conversa me faz sentir ainda mais paz.

- Que bom, minha amiga. Que bom.

- João, lembrei que uma vez você me disse algo parecido com o que o meu ex me disse quando terminamos. E que vai de encontro com essa explicação sua de hoje. Lembra disso, num churrasco lá na minha casa?

- Lembro sim, Aninha. Não com muito orgulho já que tinha tomado três cervejas e como sou fraco para bebidas eu não fui tão elegante como deveria.

Aninha soltou uma risada gostosa e disse:

- Mas não deixa de fazer sentido, João. Você disse que às vezes o universo une um idiota e uma pessoa lúcida para dar uma equilibrada na balança da vida. Mas que se relacionar com idiotas não deve ser a meta de ninguém lúcido.

Eu ri meio envergonhado desse meu momento de arrogância e terminamos nosso café da manhã com pelo menos mais meia hora de conversa. Que manhã agradável.