Um Pouco de Oxigênio.

Mais uma vez, como era de se esperar, o dia amanheceu. Nove de março, vinte graus a temperatura. Mais uma vez me pergunto o que me motiva a viver. Não temo minha morte, mas a de algumas pessoas queridas. A dor de nunca mais ve-las. Não me importo com o que a maioria das pessoas se importam. Não gosto de futebol, não estou interessado no Lula ou no Bolsonaro. Sei que governos por aqui são como sempre foram. Nada mudará nesse sentido. A luta é contra o vício e a desilusão. Não acredito mais nas pessoas. Em sua maioria só pensam em si mesmas e estão atulhadas de sonhos e desejos que talvez não acontecerão. Talvez fossem mais felizes se não se confiassem demais em si mesmas e nos outros. A vida é a dúvida, a dívida, a incógnita.Tive muitos desejos há vinte anos. Hoje eles se dissiparam como pétalas ao vento. Agora sinto fome. São seis e quarenta da manhã. O frio não é comum nesta época do ano. Estou fraco, a cabeça confusa de tantos problemas e pedaços de uma vida inteira carregada nas costas. Perdi alguns amigos. Uns morreram de câncer, outros se mataram, dois se foram com o vírus e alguns se perderam a si mesmos na vida. Planos para o futuro? Que besteira! Não vejo futuro. Vejo o agora. O horror do agora. Estão todos perdidos batendo cabeças tentando uma saída para o que está acontecendo no mundo. A geração doce não esperava o amargo de tempos sombrios. Viram nos filmes, nos livros. A vida nunca me deu nada de graça. A vontade de ir embora sempre me acompanhou, ir embora para um lugar que nem sei onde é. Não queria acordar hoje. Não queria ver o que estou vendo. Jamais imaginei que sentiria isso. O vazio mesmo tendo centenas de coisas a fazer. Posso dizer que os últimos sete anos me deram a experiência de uma guerra longa e, como a maioria das guerras, sem leis e regras. Uma coisa me acalenta: nunca deixei de lutar! Meu olho direito lacrimeja, a cabeça dói há semanas, perdi alguns seis quilos, perdi outras coisas, outras pessoas. Perdi e ganhei batalhas. Hoje me sinto doente, enfraquecido, em frangalhos. Meu sustento depende de mim mesmo. Não sou um assalariado e muito menos possuo renda fixa. Se não me levantar da cama e enfrentar todos os tipos de demônios, não teria sequer o que comer. Meu exército é de um homem só, completamente sozinho, alguém perdido e atolado num pântano frio tentando encontrar um raio de sol e um pouco de oxigênio.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 09/03/2021
Código do texto: T7203072
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