Família Prince Paraná - Culinária libanesa

Somos descendentes de libaneses. Meu avô paterno Naby, cujo pai era Mansur Gebran, veio para o Brasil ainda criança. Nasceu em Bsharri, localizada ao norte do Líbano, encravado na encosta das montanhas Makmel, região dos famosos cedros. Sua mãe era Maria Latuf, originaria de Montenegro. Do Líbano vieram direto para a Lapa no Paraná. Lá meu avô cresceu, estudou, e conheceu minha avó. Depois de casado, mudou-se para Curitiba, onde foi delegado de polícia. Teve seis filhos, Zezito, Cid, Namur, Naby (que sempre chamamos de Lolito, se casou e permaneceu morando na Lapa), Nilo (meu pai) e Anne Francis, a caçula. Infelizmente a cultura lentamente vai-se esvaindo, e na terceira geração muito pouco guardamos da história libanesa. Nesse pouco, está a arte da cozinha libanesa, muitas vezes chamada por não conhecedores, de comida árabe. Anos luz de distância uma da outra, uma vez experimentada a comida libanesa, nada mais se lhe compara, ainda mais quando acompanhada de um copo de arak, com um dedo de água e uma pedrinha de gelo. Pode-se dizer que a comida libanesa é a nata da região do oriente médio. Minha bisavó paterna, aprendeu com a sogra os segredos da deliciosa culinária, e manteve na família o apurado sabor das especiarias orientais. Eximia cozinheira, seus quibes, tabules, e as pastas, homus e babaganushi eram muitíssimos apreciados. Assim como ela, também minha mãe Clélia não era de descendência libanesa, mas portuguesa, dos Almeida Garretts, e igualmente acabou aprendendo a culinária libanesa. Posso dizer que seus quibes viraram sua especialidade. E o mesmo também aconteceu com minha esposa. Desde criança sempre considerávamos dia de festa quando era feito quibe em casa. Quando pela manhã sentíamos o aroma da hortelã e do cheiro verde, passávamos a atacar a cozinha na esperança de poder surrupiar um bocado de quibe enquanto este estava sendo preparado.

Apesar de toda dedicação da minha mãe, sempre pairou um incômodo. Meu pai comentava que seu quibe frito nunca ficava igual ao de sua avó. Apesar de todas tentativas e pequenas alterações nunca chegava à excelência na avaliação do marido. O prato era bastante trabalhoso, pois após a mistura da carne moída com o trigo já lavado e descansado e com os temperos próprios, ainda essa mistura era remoída mais duas vezes.

Certa feita já terminadas as pastas, o tabule, muito atrasada com o almoço D. Clélia resolveu ganhar tempo e não moer novamente o quibe cru, restando então apenas fritar alguns quibes para aprontar a mesa do almoço. Justamente nessa hora toca o telefone e ela assoberbada, larga a cozinha para dar explicações a uma amiga aflita, sobre o remédio a dar ao filho com febre. Quando desligou o telefone e voltou para cozinha, a tragédia estava formada. Os quibes queimados. O que fazer? Jogar todos fora e servir apenas quibe cru? Vendo um filho pegar um dos queimados e sair correndo comendo ela pensou: não podem estar tão horríveis, e temperados com uma boa desculpa, podem até ser apetecíveis. Todos a aguardavam já sentados em volta da mesa. Ela silenciosa, colocou o prato no centro e antes que falasse qualquer coisa todos avançaram no quibe frito. Ela pigarreou, preparou seu discurso, porém ainda não teve coragem de falar. Quando finalmente abriu a boca, meu pai falou antes: parabéns, hoje você acertou em cheio, está delicioso. Olha a cor, um marrom preciso, e o trigo está maior e crocante. Está exatamente igual ao que vovó Latuf fazia. Enquanto todos se deliciavam com a perfeição alcançada, com o prato elevando-se à categoria de manjar dos Deuses, com um sorriso de satisfação, minha mãe ainda calada pensou: está queimado.

Nilo Paraná
Enviado por Nilo Paraná em 14/03/2021
Código do texto: T7206957
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.