ROUBAR UM SANTO PARA CHOVER

ROUBAR UM SANTO PARA CHOVER

Manoel Belarmino

Vendo aqui que já estamos nos aproximando do meado do mês de março e do Dia Santo de São José, e as chuvas ainda não chegaram em nossa região, veio-me à memória que na comunidade onde passei parte de minha vida, infância e juventude, no Boqueirão (entre Poço Redondo e Pedro Alexandre), havia uma tradição centenária e que ainda se repete há gerações nesta região, nestes sertões: "roubar um santo pra chover". Deve ser uma crendice alimentada pelo sertanejo como meio para que "os céus derramem suas bênçãos sobre a terra" seca das caatingas.

Em uma região como a nossa, semiárida, árida e vítima da omissão governamental histórica, sem prioridade na construção de políticas públicas de convivência com o semiárido, não resta, amiúde, outro caminho para o agricultor, a não ser o apelo e o apego à fé. Na crença do homem simples do campo, como herança cultural dos nossos antepassados, o roubo da imagem de São José, o Santo da Chuva, é uma devoção que trará a graça de um bom inverno.

Roubar o santo da casa de um vizinho, e guardá-lo em lugar seguro até o fim da colheita, quando festivamente a imagem é devolvida ao seu legítimo dono, fortalece a esperança do agricultor de que São José não vai abandoná-lo, garantindo a chuva que trará a fartura.

Não sei se coincidência ou não, mas quase sempre chovia em poucos dias logo depois do roubo do santo. Meus tios sempre protagonizaram a tradição, que mistura ritual e fé.

O evento é carregado de simbologias e combinado entre os moradores, mas o dono da casa onde se encontra a imagem não pode ver a saída do santo. Por isso, enquanto algumas pessoas distraem o proprietário, outras se encarregam de entrar na residência e "sequestrar" São José, que precisa ser levado a um barreiro ou a uma cacimba do Riacho Jacaré onde tem os seus pés lavados, simbolizando a abundância d'água, fato comum no semiárido em tempo de bom inverno.

Depois da safra, o santo é devolvido ao seu legítimo dono em meio a muitos louvores, benditos e orações, com fogos e sempre à frente uma Banda de Pífano, em agradecimentos pela boa safra. A procissão de resgate ao santo reúne os moradores da comunidade e é motivo de muita alegria.

Talvez tenhamos que apelar para a fé e para as nossas tradições para que a natureza contrarie as previsões científicas, e, por "coincidência", ao roubarmos um santo, possa chover em abundância nas nossas comunidades.

Manoel Belarmino dos Santos
Enviado por Manoel Belarmino dos Santos em 14/03/2021
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