É A VIDA!

É a vida! É frase já mais que feita, dita vezes sem conta, nos mais variados momentos e em contextos díspares. O seu significado pode variar, segundo o tom com que a proferimos, a linguagem não-verbal que a acompanha e todo um conjunto de assunções que jorram das mentes férteis dos humanos sem que eles se dêem ao incómodo de as sancionar.

O que afinal pretendemos dizer quando, numa exclamação com laivos de uma retórica caseira, acabamos um discurso ou fechamos um diálogo com essa expressão tão usada e abusada quer por leigos, quer por eruditos?

Será uma maneira de pôr um ponto final num assunto que, por ignorância, fastio ou preguiça, não temos o intuito de prosseguir; será a admissão irrefutável de que a Vida é detentora de um poder que nos avassala e ao qual temos de nos sujeitar, numa dormência patética de seres amorfos; será o grito latente da nossa indiferença perante situações, num constante voltar de costas que vai alimentar o ditado “o que não tem remédio… remediado está”; será a demonstração da complacência de espíritos embebidos num catecismo já ultrapassado. Será porventura tudo isto e muito mais. Qualquer que seja o motivo a dar ressonância a essa frase capital em diálogo que se preze, não é o sentido que lhe dá valor mas antes o que lhe está subjacente. O não dito é matéria que nos dará pistas para analisar aqueles que a usam e o contexto político-social, económico e humano, em que se inserem. A verdade é que estamos a viver num mundo onde, mais do que nunca, preferimos ignorar o que sucede à nossa volta do que questionar e dar respostas. Por isso mesmo é que culpar a Vida ou uma outra entidade abstracta, conferindo-lhes uma soberania contra a qual não temos hipótese de lutar, é atitude corrente e recorrente. Assim temos o caminho facilitado e podemos descansar, com a noção de que não nos cabe a nós uma explicação, mesmo quando somos confrontados com questões que só a nós dizem respeito. “Deus escreve direito por linhas tortas” é outra das asserções enraizadas na crendice popular que serve eficazmente para dar crédito à nossa inacção, uma vez que tudo, afinal, se recomporá, por uma intervenção divina que, embora incompreensível e ilógica a nossos olhos, nos ilibará de todas as culpas. É bem possível que alguns dos ateus, em certas circunstâncias, tenham desejado converter-se, reconhecendo a existência de um ser absoluto, mais que não fosse, para lhes servir de bode expiatório. Ou talvez não! Nunca tinha pensado mas talvez sejam esses, os não crentes, a conferir à Vida atributos de divindade, sem se aperceberem de que, tanto Deus como Vida são conceitos que apenas existem no domínio das ideias, sem base material. O que seria a Vida e Deus sem a existência de seres que lhes conferem uma realidade?

Sinal de indiferença, impotência, inadequação; sinal dos tempos que correm ou da maneira como corremos no tempo; sinal de ignorância ou apenas indolência; sinal de cansaço ou prerrogativa daqueles que já perderam a esperança de vir a mudar o status quo da sociedade em que vivem, continuaremos a ouvir essa expressão já tão gasta mas sempre oportuna, nas bocas dos nossos interlocutores, dos repórteres e jornalistas, dos políticos, dos crentes e não crentes, dos néscios e dos intelectuais. Isto porque é assim mesmo… Que se há-de fazer? É a vida!