Guardiã dos Animais

Tive o privilégio de ter na minha infância a presença da música. Lembro de todas as fitas cassetes que ganhei do meu pai: as da Xuxa, do Balão Mágico, Trem da Alegria e Sandy e Júnior... O legal desta última aí é que, por ter a mesma idade da Sandy, me sentia representada (mesmos sem ter a remota ideia do que era essa tal representatividade). Pois bem, a música sempre me fez um bem e um mal terrível! O despertar do amor e da dor. Do fuzuê e do sossego.

Ganhei uma fita da Sandy e Júnior. Decorei todas as canções, mas uma em especial me arregaça até hoje. Guardiã dos animais veio pra mostrar que eu sofreria muito na vida. Constatado e comprovado. Perceba:

"Eu sonhei que tinha o dom

De ouvir a voz dos animais

E que nenhum animalzinho sofreria mais

Era só falar pra mim

Onde estava lhe doendo

Eu então ia correndo

Um remedinho preparar

Dalí a pouco o bichinho

Não sentia qualquer dor

E como recompensa eu ganhava o seu amor"

[...]

Pho-deo...

Descobri cedo demais o pior dos dons, esse tal amor por todo e qualquer animal. Eu ouvia essa música e chorava... Se você é como eu, dê um google na letra e entenda o drama. Acho que foi aí que passei a ser uma pessoa sem fé, ou com bem pouca. Eu forço bastante a barra para acreditar no Divino. Esse lance de provação, missão e responsabilidade não me desce. Desde que aprendi a observar o mundo ao meu redor, me dói na alma ver qualquer animal padecendo. "Como pode isso acontecer?"

Quando perdi meu primeiro cachorro, acreditei realmente que quando uma criança conversa com Deus, o pedido é realizado. Meo, eu pedi aos prantos e nada de ser atendida. Minha mãe me explicou que não há milagre que resolva a irresponsabilidade do homem. Ser leviano é uma escolha. "Mas mãe, tô falando de milagre!". Demorei pra ficar de boas com o Divino depois que a Sufinha morreu.

A relação só foi piorando. Deus não ouvia mais oração alguma e eu estava totalmente dependente da atitude dos meus pais de entenderem que animais de estimação precisam ser vacinados e castrados. O perdão veio porque era década de 90 né? Meus pais entenderam como se cuida bem dos animais e fiquei em paz com Deus. As orações começaram a ter um pouco mais sentido.

Trinta anos depois e cá estou. Sou casada, tenho 1 filho, 10 gatos e 3 cachorras. Na verdade, 9 gatos. A Preciosa conseguiu escapar. União de distração, portão aberto e motor de carro. A gata está fugindo de uma casa pra outra, sem reconhecer o meu chamado, tampouco o caminho de volta. No momento exato deste período, Preciosa está desaparecida há 7 dias. Rapaz, a dimensão que isso tomou dentro de mim é dramática para muitos e insana para a maioria. Buscas noturnas em vão. E lá vou eu ouvir a Sandy de novo, a de 7 aninhos. Lá vou eu conversar com o Divino. Hoje a nossa relação está mais madura. Pude entender perfeitamente o recado "não é problema Meu". Mas nem um milagrezinho? Não há milagre que resolva a irresponsabilidade de vocês. Posso jurar que ouvi isso. Mas eu contínuo insistindo. Essa relação entre nós é complicada desde sempre. Respeito, mas não aceito. Como criatura inacabada e imperfeita, sou insatisfeita mesmo.

Acho que não verei minha Preciosa novamente. É só uma gata. É só uma dor e um talento que gostaria de não ter. Sem querer ser prepotente, vai que o Divino esteja leitor hoje e resolva me conceder um milagre?

Sigo na penitência, na promessa e no aguardo.

Amém!

Mariane Dalcin
Enviado por Mariane Dalcin em 16/03/2021
Reeditado em 03/11/2021
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