Vacina sim!

No princípio, um desencontro. A data anunciada foi pra escanteio, justamente na minha vez. Mas o novo dia chegou. Não por aquelas longas espirais metálicas tão temidas pelo poeta e que anunciariam a morte de seu pai. Era notícia de vida, vinda do lado contrário, sinalizando os novos tempos nas preocupações filiais: “- painho, seu dia de vacinar é amanhã”.

Quase não durmo. Sabe a história do menino que tem uma viagem no outro dia para o sitio onde chupará umbu tirado por ele do pé? Assim foi comigo. Logo cedo já estava pronto e segui para a antiga Escola Técnica, local que, em verdes anos, passei por lá um bom tempo como professor. A fila rodava o quarteirão. Resultado esperado. À medida que baixa a idade dos que serão imunizados, o número de pessoas vai aumentando. O local mais próximo, um shopping, oferecia a opção de ser vacinado no carro, um desconforto a menos. Foram quase três horas de fila, atenuadas pelo cuidado do proprietário do centro comercial de oferecer água aos idosos para refrescar esse aguardo. Mas o que é essa demora diante do que se está buscando? Por quantas outras esperas infrutíferas e sem sentido não já passamos nessa vida? Essa sim, com tudo a ver, porque o que se quer não é apenas a proteção para si. Aqui é a esperança que vem com a vacina, algo mais altruísta, acompanhada da proteção, também, para o próximo.

O tempo de espera foi dividido entre a conversa com a esposa (companheira das horas certas e incertas), a leitura dos jornais do dia, a programação de rádio, e a lembrança do número de mortes que a cada dia se multiplica, transformando-se no que antes era apenas um número, em um parente, ou em um amigo dileto com quem se conviveu por muito tempo e que não deu tempo para eles de usufruírem da vacinação. Números esses que, infelizmente, já não são poucos, pois cada dia traz a sua triste notícia.

Enquanto isso vejo as pessoas postarem, com ares de satisfação, qualquer notícia de suspensão temporária de uso de determinada vacina, ainda que por precaução, como se isso fosse uma coisa boa para a humanidade, deixar de lado um imunizante que pode salvar a vida de milhões de seres humanos. Observo também aquelas que sugerem que as notícias sobre a pandemia deveriam ter um lado mais “otimista”, retratando apenas o número de pessoas que foram curadas da covid, comparado ao número daquelas que foram infectadas. Seria o melhor dos mundos, a confirmação da teoria da “gripezinha”, quando o sistema de saúde, com a sua exaustão, informa exatamente o contrário. Sendo da forma crua, mas real, como se noticia, muitos não estão nem aí, imagine dourando-se a pílula, qual não seria o comportamento dos insensatos? O fato é que um resfriado passageiro não levaria ao caos que estamos vivendo hoje no sistema de saúde com todas as implicações que já está trazendo não só ao Brasil, como ao mundo.

Ao tomar a vacina pensei muito em todas as pessoas que estão envolvidas nesse processo. Como agradeço, meu Deus, aos que são da área de saúde. Pensei, tanto nos que em outras áreas agem para que tudo isso passe logo e com a maior proteção para todos, como naqueles que também deveriam ter esse comportamento, mas que agem em sentido contrário, como se a estimular na população comportamentos que só provocam e aumentam as mortes.

Mas a lembrança maior estava em Fernando Ronaldo (simbolizando todas as perdas que estou enfrentando) amizade de mais de 30 anos consolidada na empresa em que fomos colegas. Juntos vimos não só o crescimento da instituição, como também dos nossos filhos, acompanhando agora o dos netos. A sua perda para mim foi muito dolorosa. E só me resta dividir com Iraneide, sua esposa, a dor que todos nós estamos sentindo. Para o meu xará a vacina não chegou a tempo. Aproveitemos já que ela está ao nosso alcance e dispor, pois vacina é vida.

Fleal
Enviado por Fleal em 23/03/2021
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