UM TIPO QUASE HUMANO

Por vezes ladrava pela madrugada relatando suas peripécias à vizinhança daquela periferia invisível. Era só mais um pedinte passeando também invisível, nada de mais, apenas um moribundo a vagar pelas esquinas do mundo, pobre vagabundo, nada com o que se preocupar.

Era só mais uma alma revirando o lixo à procura de sobras, dias de luta, dias de glória. Já sabia até atravessar a rua pela faixa de pedestres, sabia inclusive como pedir esmolas em restaurantes, aquele olhar miserável era quase humano.

Por vezes corria da carrocinha e ia se abrigar debaixo da ponte, lá sonhava com os seus donos, com as carícias, com o barulho das correntes, sentia ainda aquele aperto da coleira em seu pescoço, então acordava sobressaltado, mas também aliviado por poder ainda ir, vir e vadiar o quanto quisesse, assim como todo homem livre.