Pequenas coisas

É claro que todos nós queremos mais, muito mais, como já cantava o poeta. É da nossa essência essa busca. Só que no afã de querer sempre mais e do melhor, nem sempre damos atenção às pequenas coisas, que são importantes, e que fazem muita falta quando somos privados delas. Para os que estão em pleno gozo de suas forças físicas, o fato de levantar-se, caminhar, alimentar-se sozinho, nada disso é motivo de conversa, nem de nenhum pensamento sobre isso. É tudo tão natural que nem vale a pena refletir. Já para quem tem essas limitações, a história é outra. Especialmente para aqueles que tinham e que de repente foram privados de realizar essas pequenas coisas.

Vivi uma situação dessas dentro de casa, algum tempo atrás, o que me permitiu fazer essa observação. Uma queda, seguida de uma cirurgia para conserto do que foi quebrado, colocou a minha esposa temporariamente numa cama, obrigando-a locomover-se em cadeira de rodas, tornando-a dependente das pessoas para as mínimas necessidades. Logo ela, tão agitada, que em razão disso um antigo colega de trabalho, baseado num desenho animado de sucesso na época, chegou a apelidá-la de formiga atômica.

Não quero aqui falar da sensação de mal estar que essa situação de dependência lhe provocou, mesmo contando com o carinho e boa vontade de todos à sua volta. A minha intenção é falar dos seus progressos. Escovar os dentes no local indicado, ou seja, na pia do banheiro, tomar banho no chuveiro e até vestir a própria roupa sozinha, todos esses pequenos atos passaram a ser, de repente, as suas maiores aspirações. O interessante é que ela sempre fez tudo isso com a maior naturalidade: só não se dava conta disso. Naquele momento, com o impedimento momentâneo, foi forçada a perceber a sua importância.

À medida que essas pequenas conquistas iam se dando, cerca de um mês após a cirurgia, a felicidade dela era imensa. O desejo de dividir esses avanços com as pessoas dava a medida da sua alegria. O dia do banho no chuveiro, de cabeça e tudo, com direito a shampoo, ela mesma fazendo isso, mereceu um destaque especial. Não parava de fazer contatos telefônicos para os parentes, amigos e amigas, começando por sua mãe, só para informar que havia feito tudo aquilo sozinha.

O interessante é que milhões de pessoas ao redor do mundo fazem essas coisas todos os dias, como se funcionassem no piloto automático. É tão natural fazer isso que ninguém se dá conta da importância desses atos. Só uma situação assim, provocando essa dependência, é que faz a pessoa pensar sobre a importância deles.

E assim é com todos nós. Sempre queremos mais, corremos feito loucos, em busca só Deus sabe de que. Abdicamos de estar com a família, de passear com os amigos, de nos divertir, quando podemos fazer tudo isso. Será que precisamos passar por situações de impedimentos, ou de perdas, para podermos constatar a importância dessas coisas?

É claro que ter o que é bom nos dá conforto, status e tantos outros reconhecimentos. Mas estar bem e com saúde, podendo usufruir do pouco que temos, é muito melhor... Um banho de mar, por exemplo, com um filho, não custa nada. Mas quantos gostariam de fazer isso e alguma incapacidade física os impede... Já pensou nisso?

Fleal
Enviado por Fleal em 13/04/2021
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