À ESPERA

Andejo. Assim é o cronista. Que precisa andar pela cidade, ouvir o padeiro, o quitandeiro, o apontador do bicho, a balconista, os lamentos daqueles que perderam outra causa; ver a briga no trânsito, a juventude voltando trôpega da balada... A vida pulsa nas ruas e essa pulsação precisa ser sentida e absorvida pelo cronista. Daí Antônio Cândido considerá-lo o cão farejador do cotidiano.

Contudo, em tempos de lockdown e toques de recolher, me pergunto: por onde andar. Impedido de exercitar meu lado andarilho, escrevo sobre o cotidiano doméstico, “a dor e a delícia” de viver confinado em um quarto no quarto andar.

Para Xico Sá, a crônica “dá conta das miudezas da vida em comum”. Enquanto espero o entardecer e o repicar dos sinos na São João Batista, olho à janela. Não me faltam as palavras, falta-me o som das ruas... aflito, garatujo outras idiossincrasias no caderno já cansado de tanto palavrório.

E daí? ecoa o brado retumbante na caserna do planalto central. Cansado, continuo a escrever. E a esperar.

Raphael Cerqueira Silva
Enviado por Raphael Cerqueira Silva em 15/04/2021
Reeditado em 15/04/2021
Código do texto: T7232556
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.