Herança Culinária

Estou em um rio, com um caniço nas mãos e um pequeno cesto de vime cheio de iscas. Minhocas gordas que peguei no alagadiço, mais cedo antes do dia nascer. A lamparina de vidro cheira a mamona, faz uma pequena fumaça ao queimar o óleo. Andando no alagadiço percebo o movimento das enguias se escondendo antes do dia raiar. Mais adiante, é o melhor local para pegar minhocas gordinhas, criaturas escorregadias. Quem diria que seriam iguarias servidas em meu anzol. Tudo é questão de troca ou permuta. Eu te dou, você me dá. . . E tudo coexiste em equilíbrio. Antes mesmo dos primeiros raios de sol, estou sentado em um toco de madeira pegando meu primeiro peixe. Retiro do anzol e prendo em um amarrado de palha trançada, mas tenho que pegar mais 6 ou 8 peixes fortes e roliços. O caldo será mais saboroso, com essas peças limpas e fatiadas com os quiabos, pimentas, batatas e cenouras que minha senhora colheu. Ao final da pesca faço uma pequena prece, de costas para o lago e o espaço de minhas minhoquinhas: "agradeço toda a fartura, prosperidade e aprendizado que tenho aqui em seu ventre Mãe. Seu regato há de ser o meu leito eterno. E enquanto esse dia ainda não chega, lhe rogo a permissão de aqui ainda poder pescar!" Ao voltar para minha pequena casa, de longe avisto as luzes de quem me espera a cantar. Entro e me direciono ao fogão de lenha que já está crepitando com uma grande panela a esquentar água, para nosso caldo. Coloco meu cesto no chão, recosto o caniço na parede. Pego meu amigo canivete e começo a estripar os lindos peixes de escamas coloridas. Os gatos boêmios encontram fartura em meu quintal, todos me rodeiam querendo um prato farto de entranhas. Me divirto ao alimentá-los. Jogo as tripas e eles correm, pulam, cantam. Ao fim da limpeza estamos ambos satisfeitos da boa companhia. Volto para dentro de casa e me ponho a cozinhar. Alho pendurado, cebolas e ervas sobre o fogão. O perfume desse espaço da casa sempre me traz paz. Em uma grande assadeira coloco os pedaços de peixe com alho, cebola e ervas, douro com um pouco de gordura de porco, já os coloco na panela, com água borbulhando, como uma boca faminta, que espera o alimento cair lá dentro, transformando tudo em um bom prato. Após cozido, é chegada a hora do pirão. Na mesma assadeira torro boa farinha com banana amarela, adiciono o caldo fervente até que se transforme em mingau de farinha, exatamente como me lembro de minha Mãe à preparar. Logo mais na mesa, estamos sentados todos a esperar. Temos uma grande assadeira com mingau de farinha, bananas, pimenta e as postas de peixe servidas por sobre esse lindo mingau de farinha. A casa enche de calor, todos estão felizes, logo mais estaremos de volta ao campo de milho, algodão e batatas. Chegou o tempo de colher e guardar sementes.

Falou Ánpunã, 17.04.2021. . . estou ouvindo o piar do Falcão Peregrino!

Tisífone Alecto
Enviado por Tisífone Alecto em 17/04/2021
Reeditado em 23/04/2021
Código do texto: T7234469
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