Quem odeia desconhecido?

          Ninguém. Quem vive no ódio e do ódio, convive com ele. Sofre a dificuldade de ter o objeto a ser odiado, exceto nas vezes da odiosidade gratuita, sem explicação. Contudo, odiar é um verbo transitivo direto, diretíssimo. E quem odeia, ao mirar esse objeto, começa a ranger os dentes, o que faz com sentimentos prazerosos. Nesse aspecto, ranger os dentes lhe é costume, não teme o bíblico “haverá choro e ranger de dentes”; o primeiro porque não chora, faz chorar; o segundo, porque se constitui anatomia do ódio, mostrar os dentes e a famosa “cara feia”. Ninguém nasceu para odiar, tampouco é um mal inato. A odiosidade em alguém se origina por motivos torpes, abjetos e maculados. Daí, a santa que nunca odiou se chama “imaculada”. É possível quem ame odeie,  nos versos de Catulo, “Odi et amo”.
          O estágio mais elevado, para dizer mais baixo, atinge o nível de “ódio rancoroso”, esse é violento e geralmente causado pela inveja, pelo ciúme, pelo medo, ou simplesmente por coisa tola, como por qualquer injúria ou incompreensão sofrida. A ira humana é pior do que a raiva do bicho, bem maior do que a do “cachorro raivoso”, que desconhece até o dono, seu dito “fiel amigo”. Admoeste-se que tal aversão, vinda de ressentimentos, alimenta-se com o exercício do ódio. Alertem-se os “armamentistas” que odiento armado periga mais do que a própria arma. Mas, diante da facilidade legal da arma, pouco pode se legislar contra o uso de arma, na cintura de quem odeia. Estão por aí, soltos, como a cascavel, esperando a hora do bote. Geralmente, o ódio dura mais do que o amor, não discuto qual dos dois dá maior prazer a quem odeia. A literatura sobre o assunto esclarece que se ama depressa; mas o ódio é um “constructo” paciente e maquinado, tende a gozar de infernal longevidade. Já o amor é de frágil existência...
          E contra o ódio, só se criou, sobrenaturalmente, um antídoto: o amor, de que todos os odientos são carentes. O diagnóstico é popular, usado na linguagem, ser o odiento um ”mal amado”; ou “aquele que odeia a humanidade”. E se se diz amigo ou amiga, tal amizade entra como estratégia. Na verdade, o que cura o ódio é o amor, somente essa Boa Nova da Revelação supera, quando em alta dose, a carência da amizade verdadeira, a falta das manifestações de afeto. Não se evita de ser atingido pelos odientos, escondendo-se, como a avestruz enterrando a cabeça; nem se dedicando à misantropia. A opção perfeita e adequada é, com altivez,  a amizade, simplesmente o amor, já que não existe “amor insincero”. Esquecer os que odiaram é a essência da Revelação de Jesus Cristo. Quanto ao “quando”, o que passou, passou, lendo Balzac, em A Bretanha, essa máxima: “O amor é a única paixão que não admite nem passado nem futuro”, sobretudo em relação às suas adversidades. Já o filósofo Unamuno, em Solidão, refere-se não só ao amor, mas também ao seu antônimo: “O amor pode viver de recordações; o ódio necessita de realidades presentes”.