Envelheçam

Reza a lenda que quando pediram ao dramaturgo Nelson Rodrigues um conselho que pudessem ser dado aos jovens, ele foi curto e preciso na resposta: “envelheçam”. Nada mais óbvio hoje. Mas, não era óbvio em outros tempos históricos. Não na mesma quantidade de velhos que temos em nossa sociedade contemporânea. A longevidade é hoje um fato social óbvio, uma conquista que as pandemias e outras doenças viróticas podem ameaçar o tempo todo. A vida urbana, o avanço da medicina e da indústria farmacológica, dietas alimentares, exercícios físico, lazer e turismo; são muitos os fatores que contribuem para a longevidade humana. A velhice também é uma questão política pois envolve direitos sociais e trabalhistas, como a questão da aposentadoria e os custos econômicos previdenciários, ela é política pública que exige que o Estado tenha planejamento de longo prazo para assegurar uma velhice digna à todos. Temos que educar nossas crianças e adolescentes para o cuidado com os velhos de suas famílias para que a solidão e a violência não reine neste ambiente. Para que os velhos não sejam vistos como estorvos ao convívio familiares. O afeto do acolhimento, do respeito e do carinho é algo que se educa. O currículo escolar pode contribuir para o desenvolvimento de uma educação de cuidados aos velhos. Mas também devemos ter instituições públicas com profissionais especializados quando houver a recusa das famílias aos cuidados com os velhos; para que possam ficar aos cuidados dos serviços públicos de acolhimento quando forem solicitados pelos próprios idosos. Todo cuidado com os velhos é pouco. A dignidade de uma sociedade começa com as fragilidades da vida: o nascimento e o envelhecimento. Fiz questão de usar a palavra “velho” o tempo todo nesta crônica, como também no gênero masculino. Foi de propósito. Foi uma escrita na primeira pessoa. Poderia ter usado o neologismo da “melhor idade”, mas não gosto de subterfúgios em relação ao tempo. O tempo existe e o corpo envelhecido é prova de sua existência para àqueles e àquelas que chegam a este estágio derradeiro da vida. Quero envelhecer também. Não vou me importar de ser chamado de velho; espero poder ter esta experiência da velhice em meu corpo também. Espero que aconteça com dignidade e com os meus direitos respeitados. Não quero um neologismo enganoso da “melhor idade” em um país que transforma a velhice em refugo ou descarte tão desumano em relação aos velhos e velhas do Brasil de hoje. Espero que possamos educar nossos jovens para que também aprendam a envelhecer e, principalmente, para que não tenham vergonha da sua velhice e da velhice alheia.

Wander Caires
Enviado por Wander Caires em 27/04/2021
Reeditado em 05/03/2023
Código do texto: T7242159
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