OS BEM-TE-VIS
Os bem-te-vis bailam ao sol, de lá pra cá, daqui pra lá, harmônicos como as notas de uma valsa. Vez em quando pousam no gramado do fórum para, em seguida, se dispersarem além do rio, nas ruínas da usina.
bem-te-vi... bem-te-vi... ecoa na sala esvaziada por decretos e portarias.
Os bem-te-vis celebram o outono, indiferentes aos ofícios e alvarás que expeço como um autômato, ao telefone que macula a tarde com seu trim-trim triste.
bem-te-vi... bem-te-vi... esbanjam o viver, despreocupados comigo que, largado na cadeira empoeirada, cantarolo “meu rockzinho antigo” a fim de estrangular a burocracia.
“Ói, ói o trem, vem surgindo de trás das montanhas azuis, olha o trem...” Canto para uma audiência silenciosa: grampeadores, impressoras, scanners, computadores, carimbos, para o tucano do calendário que me fita de um jeito cínico. Minha voz ricocheteia nas paredes: me dou conta que tropeço nalguns versos, e ainda desafino. Talvez a apatia da audiência venha daí...
Carente de trens e montanhas azuis, arrasto a tarde entre prazos preclusos e pilhas de urgências, suportando a incompreensão das canetas... bem-te-vi... ói, ói o trem... bem-te-vi... o trem... assim, burocraticamente, risco mais um dia no calendário.