Atuação Fatal

O clima estava estranho. Quando decidi partir, minha namorada escondeu a chave do portão. Não tive dúvida, escalei o portão de uns três metros e fui embora.

Em vez de ir para casa, onde seria facilmente encontrado, fui para o bar, encontrar os amigos e afogar as palavras. Depois de algum tempo, quando eu já havia esquecido de todo o ocorrido, o dono do bar disse que tinha ligação para mim. Eu já desconfiava o que era. Ao contrário do que imaginei, tinha sido facilmente encontrado.

Era a dona da casa, dizendo que minha namorada se trancou no quarto. Até aí, tudo bem. O que veio depois, exigiu a minha providência: ela se trancou segurando uma faca, dizendo que ia se matar e havia escrito duas cartas de despedida. Diante da suspeita de que seria tudo um teatro de quinta categoria, um dramalhão de novela mexicana mal dublada, despedi e saí, calmamente, querendo acabar com aquele cirquinho de periferia.

Em frente à residência, minhas suspeitas se confirmaram. Eu tive certeza da farsa quando vi a silhueta da autora do número se afastando da janela do quarto no andar de cima. Subi para encerrar aquela pantomima.

Lá em cima, a coisa começou a ficar mais dramática e, logo vi, a noite seria longa. Junto a minha amiga (dona da casa), encontrei a porta fechada; duas extensas e detalhadas cartas de adeus; e uma garota trancada com uma arma branca, prometendo dar fim a sua vida. Eu ainda acreditava que tudo não passava de uma peça mal ensaiada, no máximo um filme de terror com baixo orçamento. Mas uma palavra errada poderia desencadear uma tragédia.

Durante algum tempo, eu negociei uma rendição segura para todos. Dentro do script, a porta foi aberta. A cena que presenciei, me transportou imediatamente para o filme Psicose, com a fatídica sequência e a musiquinha. Mesmo presenciando a surreal cena — minha namorada, encostada no guarda-roupa, segurando uma faca de açougueiro —, mantive a calma. Pensei no que Jonh Rambo faria naquela situação, lembrei dos ensinamentos do Senhor Miyagi e… ZÁS: numa manobra ligeira e indefectível tomei o instrumento perfurocortante. Nesse momento, tive certeza: valeu ter assistido a filmes de ação nos anos 80.

Percebi que a minha atuação foi minuciosamente planejada, de modo que executei meu papel da melhor maneira, exatamente como a diretora imaginou. Resolvi exercer o que cabia a mim naquele teatrinho de colégio e, como um canastrão, fui até o fim. Entretanto, tenho certeza: uma palavra errada, forças terríveis estariam à solta.

RRRafael
Enviado por RRRafael em 30/04/2021
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