Simulacro de Simpatia

Poucas coisas me angustiam mais que agências bancárias.

O som intermitente das teclas e solas de sapatos dão ao tempo uma sensação infinita.

Não bastando isso, me sinto condenado pelos olhares que são lançados por cima das telas dos computadores. Talvez, eu e os atendentes compartilhemos da mesma vontade: ambos não gostariam que eu estivesse ali.

Tento respirar pausadamente e desvio o olhar para qualquer lugar colorido e, esbarro com um cartaz de uma família sorrindo na praia com um labrador. Sinto saudade do Gegê, meu cachorro que recentemente faleceu.

Em buscas de novas cores e tentando se livrar da angústia da saudade, meu olhar encontra mais um cartaz. Dessa vez de uma senhora grisalha e sorridente, que apertando a mão de uma jovem moça demonstra uma incomum satisfação. Noto que acima dessa imagem esta a frase "Empréstimo Consignado - as melhores condições".

A partir desse momento começo a pensar que aquela imagem registra o ápice de um ritual satânico. Como pode aquela senhora grisalha assinar um contrato desses e fica feliz?! Minha cabeça já começa a identificar um sarcasmo diabólico no sorriso da jovem atendente, uma satisfação oculta por ter cooptado mais uma alma, que perdida em siglas e taxas, se vincula a um empréstimo que será cobrado até depois de sua morte.

Isso me desperta uma vontade de rasgar o cartaz, mas sou demovido da ideia porque o "bip" avisa que é a minha vez de ser atendido.

Assim vou caminhando até o guichê, onde o meu ódio enrustido encontra o cinismo blasé da atendente, para ambos fingirem que é naquela baia de atendimento que a felicidade acontece.

Que saudade do Gegê.

Trebe de Maria
Enviado por Trebe de Maria em 01/05/2021
Reeditado em 01/05/2021
Código do texto: T7245492
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.