Calidoscópio

Eu vim vê-la. Disseram que ela está a alguns meses no quarto dos fundos da casa do Senhor Carlos. Não lembrava mais de nada, aqueles passeios, as grandes viagens, as tardes prazerosas que conversava com os vizinhos mais próximos. Chamo-me Fernanda, hoje passei e não senti a sua presença, não mais a conversar tão solicita como era antes, nem escuto a sua voz como de costume se ouvia ao passar pelos corredores.

Um dia antes do estado de agora, ela me olhou e disse-me: Senhor ajude-me, eles não me deixam sair. Na realidade isso procedia. Com o seu estado a se agravar a sua família a manteve reclusa. No passado era tão alegre, brincava, sorria e falava muito sobre a beleza das plantas, sobre a Capela de Nossa Senhora que haviam construído próximo ao seu apartamento.

Após tudo isso, não rezava mais, não escovava os cabelos, não lembrava os seus. Perdeu-se dentro de um Calidoscópio. Cada giro a criar nova cena, num jogo ótico sucessivo de reflexos a formar imagens em constante mutação de si mesmo.

Uma manhã ao passar pela sua porta reparei que estava aberta e o Senhor Carlos atônito. Então perguntei por ela, pois achei estranho as portas estarem abertas, uma vez que só vivia fechada.

Foi quando percebi a situação deles sem saber o que fazer. Era chegada a hora do desfecho final.

Pedi permissão para entrar e ajudei no que pude. Cheguei a colocá-la em meu colo e conversar com a mesma. Falei da grande partida em que tudo era lindo e sem dor, uma outra vida, outro lar.

As cortinas fecharam-se com a sua cor anil e como um pássaro livre a bela senhora voou.