Para Saudade – S.C.

Não conheço o município de Saudade. Tampouco as pessoas envolvidas na tragédia de hoje, em que um moço de dezoito anos entrou numa creche e matou duas professoras e três bebês.

Não sei se posso questionar alguma coisa. Afinal, nesse momento, a razão é o de menos. Penso na professora de 30 anos que se foi... melhor dizendo: sinto a professora de 30 anos que se foi. Na idade dela eu tinha um mundo ainda a construir e a sonhar. Eu acreditava em muitas coisas que, hoje, os meus olhos dizem que não há mais esse encantamento.

A outra professora, então: 20 anos. Na idade dela eu estava começando a ser dona de mim, a ter consciência de que eu seria a única responsável pela minha felicidade. E lutei, lutei, lutei bravamente! Ela, com toda certeza, lutaria também.

Os bebês... todos eles com menos de 2 anos de idade.

E me vi recordando o meu filho, o meu Vinícius nessa idade, ainda usando fraldas e indo também para a escolinha todos os dias. Lindo, bem alimentado, bem cuidado... o meu Vinícius ia para a escolinha todos os dias... Eu sonhava muito por ele. Sabia das dificuldades que haveria de enfrentar, filho de pais que suavam aos borbotões para sustentar a casa com dignidade. Mas eu sonhava e fazia todo o sacrifício para que nada lhe faltasse. E feliz eu ficava ao vê-lo saudável e, quando não, imediatamente o levava ao médico para buscar soluções.

E assim foi: os dentinhos nascendo, as risadas macias, carregadas de ternura e mansidão, a ingenuidade estampada no olhar mais doce que já vi.

Com o passar dos anos fui compreendendo que esse filho foi a maior graça, a maior de todas as bênçãos que já recebi. Brincamos juntos, sofremos também juntos. Enfrentamos dificuldades, dissabores juntos. E foi também o meu companheiro de tomar sorvete de madrugada.

Em tempos de verão eu dizia: “filho, vamos levantar de madrugada e tomar sorvete?” Ele aceitava e eu o acordava mesmo e, com disposição e sorriso, saía rapidamente da cama.

Muitas festas de aniversário, bolos e brigadeiros. Sempre pronto para um churrasco ou uma boa pizza. Festejamos sua entrada na faculdade, a sua carteira de motorista, o seu trabalho e sou imensamente grata por viver isso com o meu filho, pois ele sempre me ajudou a acreditar na vida, a ser menos tensa, a levar a vida, como gosta de dizer , “na manteiga” e tem sido o meu companheiro para todas as situações. Amigo melhor, impossível.

José Saramago falava da importância dos filhos: com ele aprendemos a ser melhores porque temos que ensinar, dar exemplos. Não podemos ser medíocres.

E hoje penso nas mães de Saudade que tiveram esse direito roubado. Desgraçadamente roubado.

Certamente mães jovens, que sonhavam, riam com as suas criancinhas, adoravam curtir os avanços dos pequeninos, as novas aprendizagens, a curiosidade... Tenho certeza de que elas beijavam os seus rostinhos, passavam a mão nas cabecinhas, cantavam para que dormissem em paz.

Essas mães jamais serão as mesmas! Sei disso. Existem feridas que teimam em não cicatrizar jamais. Eram bebês. Apenas bebês. E as professoras, conscientes do seu dever e das suas buscas. A professora de vinte anos, por exemplo, nem teve tempo de dizer: eu tenho um filho e vou lutar, sonhar, cuidar, me divertir, sofrer, evoluir... tudo com ele. Ela não pode.

Eu não sei o que diria a essas mães. Hoje foi um dos piores dias da minha vida. Eu não saberia abraçá-las, confortá-las, dar-lhes algum estímulo. Nada! Absolutamente nada.

Terminei de ler um livro e, num momento, o autor dizia que a morte era apenas uma vírgula, pois o texto continuaria a ser escrito ao longo de toda uma jornada infinita.

Bonito! Mas eu não diria isso.

Eu não sei o que diria. Mas quero compartilhar com elas um pouco da minha dor, da minha angústia por essa história tão mal redigida, amarga, despedaçada. Quero manifestar o meu amor a essas mães, a esses bebês, o meu respeito, a minha agonia.

Que todos eles sigam em paz.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 04/05/2021
Código do texto: T7248219
Classificação de conteúdo: seguro