COISAS NEM SEMPRE SÃO COISAS

Amamos coisas como se fossem pedaços de nós. Eu não tenho dúvida disso. Admito, porém, que nossa compreensão não deveria ser nessa perspectiva. Nossa autonomia racional e, talvez, emocional também, deveria discernir entre o que é um simples objeto de uso de algo ou situação que faz parte das experiências afetivas da nossa vida. Mas não é assim que funciona. Pelo menos, para mim, não.

Justifico meu modo de pensar no aspecto representacional colado em todas as palavras, sejam elas afetivas ou objetais. Não há nada no discurso, nas palavras, nem nos pensamentos e nem em toda racionalidade técnica possível que tenha algo concreto, de fato, com seu item para o qual se cria o seu signo. Ou melhor o signo não é a coisa que significa.

As palavras são meras invenções. Convenções. Mas, acreditamos que elas são as próprias coisas. Por isso amamos certas coisas. As vezes mais que pessoas que nos são caras. Os nossos amores transitam entre objetos e pessoas. Para receber nosso afeto, respeito e nosso amor precisam nos oferecer algo em troca. Nada é gratuito. Não há amor incondicional. Nem o de mãe. Ela, toda mãe, no mínimo espera que o filho não a desaponte, não a deixe triste... isso já são condições. Acredito antes no amor que resiste a todas as condicionalidades.

Mas como todo amor, o amor pelas coisas também faz sofrer, especialmente na ruptura, no final de um amor de muitos anos, de muitas viagens, de muitas loucuras bem sucedidas, outras nem tanto.

Foste casa. Cama em muitas noites de labuta por esta região em que transitamos juntos. Cada cidade nova em que o trabalho me chamava, um dia antes, saíamos em busca de conhecer um pouco o lugar, tirar fotos, falar com pessoas, para no outro dia, no encontro de produção e articulação de conhecimento, conversar com os alunos sobre o lugar que eles se inserem. A noite, na fadiga, foste hotel, perto de um posto...

Mas nenhum amor resiste ao tempo. O tempo é o limite. Como tudo tem seu tempo, os amores também. Alguns tentam resistir além do tempo, no amor, mas sabem eles que são infelizes nessa tentativa. Alguns morrem nessa infeliz teimosia. Aliás, insistir no amor, além do tempo-limite é morrer por comorbidade. A morte não se caracteriza a partir da teimosia de insistir em amar quando já não há amor, mas a morte é consequência desta triste sina.

Criamos laços. Com pessoas e com coisas. Um dia, fatalmente, esses laços se rompem. As coisas reforçam laços na medida em que nos envolvem com experiências significativas. As pessoas também. Não trocaria as pessoas que amo pelas coisas que amo. A experiência de vida já me foi suficiente conselheira para mostrar a dor da perda de pessoas importantes e também de coisas que foram importantes. A dor pela perda de pessoas não se compara com a perda de objetos de coisas.

E assim, vou me despedindo de você meu velho companheiro de histórias, de viagens, de emoções diversas, de amores vividos e sentidos. Foram duas décadas de parceria. Quantas distâncias percorridas?, nem marcamos mais. Tudo foi se desgastando, até o marcador. Sim, foi um amor teimoso. Minimalista em seu sentido mais restrito. Enfim...

Um dia nublado... céu encoberto... um pouco frio para a época, aqui, onde estou. Tudo preparado para a nostalgia de velhas histórias e a preparação para viver outras aventuras... sobre duas rodas.

Adeus amigo...