Trazendo desaforo...

No dia em que fiz 5 anos tia Isabel chegou em nossa casa pela manhã e me regalou com aquele par de sapatos marrons, novinhos em folha. Não sei como ela acertou o tamanho de meus pés, de maneira tão justa, que sai pelo quintal saltitando e entoando loas aos meus sapatos novos. E justamente no primeiro capítulo, sobre a terra fominha da horta, bem defronte a cozinha entre uma e outra repolhuda alface,...plaf! Pisei fundo naquele troço enorme, que, se quieto adubava, mexido, ah como ao olfato e à vista enojava...Destampei um bué, que mesmo socorrido, deixou-me o orgulho por muito e profundamente ferido... O vilão teria provavelmente sido o Navio, um cachorrão negro sadio e vadio, do vizinho Jésus, que além de nossas sobras eventuais, adorava e adubava quintais...daquele Brumado, já mais-que-perfeito passado...e volta e meia relembrado...

Mais de seis décadas passadas, já sem a empolgação dos sapatos novos, na casa de mamãe, em Pitangui, em noturnas caminhadas, ando pelo quintal como se pisando em ovos, para evitar troços novos...Afinal, com duas cadelas residentes e um número sempre variável de caninos visitantes, as obras finalizadas ganham em volume e em ubiquidade, sem determinação específicas... Minha prosaica resistência a uma lanterna, vez por outra, faz-me pisar na baderna...

Mas na ofensa mais pungente, quem diria, justamente em BH, eu cairia...acabado de chegar, enfio o carro na garagem de meu prédio, estaciono de ré, como de costume, e retiro uma caixa do bagageiro...

...para ser acompanhado por um odor um tanto mateiro e matreiro...

Como tenho por hábito descalçar-me do mocassim - ou até mesmo Louboutin... - para entrar em casa, somente no dia seguinte é que me deparo, de vista e faro, por aquela jazida fecal por detrás do carro, com um sinal calcâneo bem delineada...

O solado do sapato confirma minha pior suspeição...já sem tia Isabel para ouvir e consolar meu choro, procuro, na limpeza, a solas, dar no couro...

E não é que aquele grude, que ataquei como pude, resistiu com tal bravura que jamais se viu...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 16/05/2021
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