Aprendendo com o outro

Aprecio ler e assistir programas de entrevistas, como também os livros biográficos. Saber da opinião do outro sobre temas diversos, a forma como reage às perguntas, muitas delas feitas para desconcertar, o aprendizado com experiências múltiplas a partir do relato da sua história de vida, são fontes inesgotáveis do saber.

O tempo vadio proporcionado pela pandemia me levou à releitura de dois livros, um biográfico e outro autobiográfico sobre personagens que fazem parte da história recente da vida brasileira. Primeiro, o jornalista Tarso de Castro (2005, Planeta), famoso por ter sido idealizador de um dos jornais mais criativos e polêmicos da história do país, O Pasquim, numa época em que vivíamos amordaçados por uma ditadura militar que a cada dia se revelava mais feroz. Na época, o jornal aparecia como um sopro de liberdade que proporcionava uma catarse coletiva, pelo seu jeito irreverente de ser. É provável que o meu gosto pela leitura de entrevistas tenha vindo da forma como elas eram conduzidas naquele hebdomadário, colocando o leitor como se estivesse ali, participando do papo com eles. E como essas conversas eram regadas a doses etílicas, as perguntas e respostas eram as mais soltas possíveis, revelando a verdade que os romanos prenunciavam em seu “in vino veritas”.

Tarso foi responsável por outras revoluções na imprensa brasileira, como foi o caso do suplemento Folhetim, da Folha de São Paulo, antes de ser detonado, com a mudança editorial, por Boris Casoy. Viveu tão intensamente que, com pouco mais de quarenta anos acabou vítima da própria irresponsabilidade com o corpo, destruído pelo consumo excessivo de bebidas alcóolicas.

A outra releitura, desta vez autobiográfica, é sobre Danuza Leão em seu Quase Tudo (2005, Companhia das Letras). Acostumei-me a ler as suas colunas diárias no Jornal do Brasil, depois transferidas para os domingos na Folha de São Paulo, encerrando a sua carreira na revista Ela, do jornal O Globo, em 2019, por achar que estava se autocensurando. Com um jeito leve de escrever, como quem conversa com o leitor, especializou-se em falar sobre a natureza humana. De forma simples, direta, diz tudo o que está presente em nossas mentes, mas que em geral não ousamos confessar. Danuza viveu (e espero que ainda viva) intensamente. A vida criou uma série de situações para apurar essa intensidade, sendo a narrada no último capítulo de Quase Tudo das mais emblemáticas. Muitas outras foram alegres, outras dolorosas, como a perda do filho, jornalista da Globo, em acidente.

Não é que a leitura dessas, ou de outras histórias, devam ser tomadas como um referencial de conduta para a sua própria vida. A intenção da pessoa que lê, por exemplo, uma biografia de Hitler, não é, com certeza para as pessoas normais, tomar como parâmetro e vir a se tornar um assassino sanguinário, como ele foi, mas o de conhecer quem foi aquele homem e até poder entender como funciona o ser humano e, a partir daquela história até se precaver de outros facínoras como ele.

As biografias não devem ser vistas como receita para ninguém. São como bolos prontos para serem degustados. Você vai gostar, ou não, do sabor. Mas ficará, com certeza, a experiência de ter provado aquela iguaria e criar a sua própria receita para o seu bolo, mas já sabendo o gosto que algumas combinações provocam na vida das pessoas. Repetir o mesmo sabor é opção de cada um.

Fleal
Enviado por Fleal em 18/05/2021
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