ROBERTO VIVE

Uma manhã muito bonita surgia. Roberto animou-se logo, pois além do sol gostoso da manhã amena de inverno, viu um céu límpido sem nenhuma nuvem e pensou logo em fazer sua tradicional caminhada de todas as manhãs.

Gostava de andar, de ver a vida despertando e observar a natureza. Caminhava sempre por lugares desertos um pouco afastados do centro urbano onde ainda podia ouvir os pássaros cantando e respirar um ar bem puro.

Saiu de casa, atravessou a rodovia, andou um pouco mais e chegou ao novo bairro. Viu ali algumas pessoas que também caminhavam. Não havia trânsito, nem barulhos irritantes, ouviu apenas os ruídos harmoniosos vindos dos pastos e matas próximos.

Andou por ali durante aproximadamente 40 minutos e voltou. Tudo em paz, com alegria e tranquilidade. Fim da história.

Parece uma historia boba e simples. E os leitores com certezas ficaram esperando um grande acontecimento. Quem sabe uma tragédia! Poderia eu, o deus escritor, onisciente onipotente e onipresente, dono do Roberto, senhor de sua vida, matá-lo atropelado enquanto atravessava a rodovia. Ou talvez fazer surgir uma onça pintada vinda das matas próximas ao local onde o personagem fazia caminhada e devorá-lo. Um ladrão poderia assaltá-lo e mata-lo. Se se esforçasse demais bem podia eu sofrer um infarto, entupiria eu suas coronárias, mostrando assim a fatalidade que existe nos momentos bons da vida. Poderia jogar-lhe um vírus já que não mencionei que usava máscaras. Infectá-lo com corona vírus. Ou qualquer outra doença. Se fosse bem cruel colocaria com muito jeito uma pedrinha em seus rins, ou sugaria o ar de seus pulmões. Tenho doenças aqui nas pontas dos dedos para ofertar. A tortura das letras é muito cruel. Fazê-lo ser abduzido por um disco voador. Chamaria com o poder das letras alguns índios canibais que surgiriam das matas e o colocariam em um caldeirão para devorá-lo num ritual macabro. Mil destinos, mil coisas poderiam acontecer ao nosso querido Roberto. Tenho em minhas mãos o poder sobre sua vida e sobre a sua morte. Comando a sua alegria e a sua tristeza. Sua saúde e sua doença. Posso até mudar seu visual, se eu quiser ele será loiro, um toque aqui nestas teclas e tornar-se-a moreno. Alto, baixo, magro, gordo, bonito, feio. Um cara legal, um bandido. Ele é o que eu quiser. Tele transporta-lo para outras eras, outros planetas, fazê-lo voar com um belo par de asas, torná-lo um cavaleiro andante errante, um dom quixote das rodovias. Ah eu posso tudo. Nesse universo mágico aqui eu posso tudo. Pelo meu poder supremo de escritor ele me pertence e faço dele o que eu bem entender. Como aquele brado emblemático de um herói dos desenhos animados: EU TENHO A FORÇA! Poderia tê-lo exterminado de mil formas. Do nada vivemos do nada morremos. Roberto é frágil, muito frágil, subserviente e conformado, aceita sem reclamar todas as minhas vontades.

Bem pensei eu, vários destinos para o jovem mancebo, mas decidi que os acontecimentos bons e tranquilos da vida também podem ser grandes e valiosos. Andar por aí, respirar o ar fresco, se deliciar na apreciação da natureza e voltar tranquilamente para casa tudo isso é aventura também. A grande aventura do viver capaz sim de ser um grande acontecimento numa trama e marcar de forma definitiva a vida de um personagem. A jornada desse nosso herói foi: ir e voltar em paz e com alegria de seu passeio matinal. O arco dramático: ir apreciar e retornar. A saga se cumpriu e a epopeia simples do dia a dia também se agiganta quando a ela se dá valor.

Deixarei Roberto viver e será ele um símbolo de que a vida simples e comum carregada dos pequenos grandes prazeres pode ser simplesmente maravilhosa.

Isso apenas porque eu, deus escritor, quero. E que seja feita a minha vontade. Amém.

Roberto vive.