ENFIM OS 40!

Ana Beatriz acordou naquela manhã com uma vaga sensação de que sua vida estava recomeçando. Sentia um leve enjôo e algumas dores pelo corpo, conseqüência de alguns “drinks” a mais, e de ter, em algum momento da festa de seu aniversário, encarnado Olivia Newton John, chamado seu cunhado de John Travolta e representado com ele uma das cenas musicais de Grease - Nos Tempos da Brilhantina. Que mico! Nos Tempos da Brilhantina..., pensava ela envergonhada enquanto suspirava. Também, festa de 40 anos queria encarnar quem? A Pink? Perguntou a si mesma, para em seguida enterrar a cara no travesseiro.

Aos 33 anos, Ana Beatriz se questionou pela primeira vez sobre como se sentiria com o passar dos anos. Mesmo com a proximidade dos famosos 40 anos, ela continuava sentindo-se jovem, muito jovem, e nem se preocupava com isso. Lembrava sempre que, aos 15 anos, costumava observar as mulheres mais velhas, e naquela época, uma mulher de 30 era uma mulher já muito madura, usava esmalte vermelho e se vestia de maneira formal ou, às vezes, de maneira bastante sedutora. Ela mesma costumava dizer que quando fizesse 30 anos iria usar esmalte vermelho. Só que o tempo passou, e como suas amigas, continuava usando jeans, camiseta e tênis... E nunca passou esmalte vermelho.

Agora estava com 40 anos, 17 de casada e dois filhos: Maria Eduarda de 5 anos e Pedro Henrique de 7. Ela e seu marido Mauricio optaram por ter filhos mais tarde porque queriam viajar muito, fazer aperfeiçoamento nos estudos após concluírem a universidade e construir uma carreira sólida. Mauricio tornou-se um grande cirurgião e Ana Beatriz uma pediatra respeitada, admirada e querida por colegas de profissão e pacientes.

Naquele dia não havia nenhuma consulta marcada em seu consultório e ela ficou preguiçosamente ensaiando o início do seu dia; o quarto estava tão aconchegante que teve vontade de voltar a dormir. Mas não podia porque seus filhos logo chegariam da casa da avó onde passaram a noite e exigiriam dela atenção, carinho e disposição para muita brincadeira. Seu marido tinha viajado cedo a trabalho e ficaria dois dias fora. Pensando nisso levantou-se e foi direto para o banho. A ducha fria logo a deixou animada e bem disposta, e já nem pensava mais em crise dos 40. Isso tudo é bobagem e o que vale é nossa idade interior .

Saiu do banho, olhou-se no espelho e ficou feliz com sua imagem. Era uma mulher bonita e estava em forma para alguém que não freqüentava academias mas que se preocupava com seus cuidados básicos. Vestiu uma roupa confortável e antes que terminasse de ajeitar o cabelo, ouviu as vozes e risadas das crianças no corredor. Invadiram seu quarto e se jogaram em seu pescoço. Passaram o resto do dia conversando, brincando, assistindo desenhos no DVD e comendo muita bobagem. No começo da noite as crianças estavam exaustas e Ana Beatriz exultante como uma adolescente.

As crianças não iam muito cedo para a cama, então jantaram juntos após o banho e sossegaram no quarto.

Ana Beatriz também se recolheu pois iria iniciar seu ritual de beleza de todas as noites, para depois deitar e ler um bom livro, seu “hobbie” predileto.

Estava lavando o rosto quando percebeu Maria Eduarda se aproximando bem devagar.

- Mamãe, posso ficar com você? Prometo que fico quietinha.

Ana Beatriz assentiu e colocou a menina sentada ao seu lado.

Passou um creme de limpeza que depois retirou com lenço de papel. Pegou então uma loção para diminuir a oleosidade da pele e passou por todo o rosto com um chumaço de algodão.

Percebeu que Maria Eduarda observava cada gesto seu com atenção, e imaginou o que a menina estaria pensando nesse momento. Com certeza pensava que a mãe é a mulher mais bonita do mundo - todas as filhas pensam isso das mães. Também devia considerá-la a mulher mais inteligente do mundo.

Olhou para a filha e piscou. A menina retribuiu com um sorriso e uma piscadinha meio desajeitada e linda.

Virou novamente para o espelho e arriscou pensar que a filha deveria vê-la como a mais bela rainha dos contos de fadas. Sentiu seu peito inflar e sorriu orgulhosa.

Pegou então seu último creme: um anti-rugas caríssimo e muito famoso. Começou a passá-lo em movimentos circulares pelo rosto e pescoço, e pôde observar pelo canto do olho que Maria Eduarda cruzava as perninhas e apoiava as mãos no queixo. Foi então que pela primeira vez a menina manifestou sua curiosidade:

- Mamãe, o que é isso?

- É um creme muito bom para a pele minha filha.

- Mas para que ele serve mamãe?

- É para evitar que apareçam no rosto aquelas marcas feias sabe, as rugas – respondeu sorrindo.

- E porque não adianta mamãe?

“Cadê o chão? Meu Deus! Isso que vejo no espelho sou eu ou um Shar Pei?”.

Sem conseguir desgrudar os olhos do espelho foi fechando o pote de creme, virou-se para a filha e disse carinhosamente:

- Filha, hora de dormir. Amanhã a gente conversa tá. Dorme com Deus e tenha lindos sonhos.

Assim que a menina saiu, Ana Beatriz apagou a luz do banheiro. Foi em direção à sua cama sentindo os ombros caídos para frente e andava como se arrastasse bolas de ferro nos pés. Esqueceu o livro, deitou no escuro......

A festa voltou à sua mente.... Enfim os 40!

Depressão, me aguarde! Pensou enquanto enfiava novamente a cabeça no travesseiro.

Rose Elizabeth Mello
Enviado por Rose Elizabeth Mello em 17/11/2005
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