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CAMINHÃO FORD 1932


Comecei anotar umas lembranças, enfileirando cada uma delas para que façam parte de um livro que quem sabe eu consiga terminar.
Digo quem sabe, por não estar me dedicando o quanto gostaria e pensava fazer.
Quando saímos da roça pra viver na cidade, meu pai continuou com a olaria de tijolos, na verdade ele dobrou, pois lá na roça era uma apenas e na cidade duas.
Não sei, mas acredito que o grande sonho dele era ser motorista de alguma coisa. Caminhoneiro com certeza, mas como não era muito de se programar para realizar seus sonhos, eles não aconteciam, isso é comum em quem sonha mas se esquece que é com os pés no chão que se consegue o galeio para alçar voo.
Então daí surgiu a ideia que fundamenta esta minha história. Estávamos em 1961, eu com sete anos, duas irmãs mais velhas e mais cinco irmãozinhos homens mais novos.
Ele aparece lá em casa com um caminhãozinho Ford fabricação 1932, simplesmente com vinte e nove anos de uso.
Não sei dizer quanto tempo fazia que esse caminhão não rodava, sei que quando meu pai o comprou, estava servindo de poleiro pra galinhas no quintal do homem que lhe vendeu.
Para crianças na nossa idade, e ainda naquele tempo, aquilo foi uma grande festa. Lembro que nos divertimos e nos sujamos todos ao tentar pintar o teto daquele caminhão que era pura ferrugem, usando uma tinta esmalte de construção, cor verde. Não tinha juízo pra julgar nada, mas lembro que aquela pintura ficou horrível.
Do modo dele, com algumas instruções aprendeu a dirigir quase que sozinho e aí foi que começaram as aventuras que vivemos andando naquela lata velha.
Aventuras que poderiam ter custado a vida de algum ou alguns de nós.
Dali pra frente, depois de tantos anos, concluí que meu pai foi um homem muito abençoado.
Apenas para exemplificar, conto uma dessas aventuras que felizmente terminou bem.
Em um domingo, fomos a família inteira para o bairro rural chamado Serrinha, que obviamente era uma serra. Fomos visitar alguns parentes que lá residiam.
Naquela época não existia asfalto na nossa região e as estradas rurais eram mal conservadas, quase sempre péssimas.
A ida foi muito divertida, as crianças maiores na carroceria, ninguém via perigo em se viajar em cima das carrocerias.
Começou a chover e saímos de volta pra casa, mas com todos dentro da cabina. De adultos só meus pais, mas mesmo sendo todos crianças, é difícil compreender como foi que couberam naquela boleia.
Aí começou a descida da serra naquela estrada ruim, enlameada, num caminhão velho e um motorista iniciante.
O caminhão parecia descontrolado, escorregava e em certos momentos ia em direção aos barrancos ou quase ficava atravessado na estrada.
Minha mãe gritava desesperada, a criançada gritando, chorando ou se divertindo, meu pai parecia se esforçar ao máximo para controlar o caminhão que nem sei se conseguia prestar atenção no escândalo que minha mãe fazia. Ela gritava que nunca mais entraria naquele caminhão.
Quando terminou aquela descida e chegamos na estrada principal, que interligava as cidades da região, e que nem por isso podia se dizer que era estrada boa, foi como sair de um pesadelo.
Meu pai não ficou muito mais tempo com aquele caminhãozinho, não me recordo de ter visto mais minha mãe andar nele.
 
JV do Lago
Enviado por JV do Lago em 24/05/2021
Reeditado em 24/05/2021
Código do texto: T7263228
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