Carta para o padre sem noção.

Boa noite, Padre Fernando Bezerra.

Eu não conheço o sr. nem a sua paróquia em Alagoas.

Confesso que me assustei muito ao ler sobre as comemorações do seu natalício num jornal eletrônico. Comemorar um aniversário, fazendo festa em tempos de isolamento, exaltando um fulano que se considera dono do poder e não tem a mínima noção de realidade, de sensibilidade social, de respeito aos demais e ainda tirar foto fazendo arminha??? Um padre fazendo arminha e sorrindo?

Permita-se uma conversa com uma pessoa mais velha. Tenho 21 anos a mais que o sr. Então, posso falar e quero ser ouvida.

Quando o sr. nasceu, em 1979, ainda vivíamos o amargor da ditadura. O sr. sabe o que é uma ditadura? Já ouviu falar? Ouviu relatos de pessoas torturadas física, psicológica e moralmente? Há ouviu falar em choque elétrico nas partes íntimas, no rosto, nas orelhas? O sr. já ouviu falar em ameaças constantes a familiares dos chamados “subversivos”? Já ouviu falar na técnica do afogamento, do telefone???? E os carrascos levando filhos ainda crianças de prisioneiros políticos para verem os pais sendo barbarizados, já pensou, hein, hein??? Isso tudo contra pessoas que ousavam pensar e agir diferentemente do estabelecido. Posso lhe indicar alguns filmes para que tenha ciência de como vivíamos nesse país quando o sr. ainda usava fraldas e fazia gugu dadá. Existe uma farta literatura a respeito do assunto. Inclusive na minha terra, em São Paulo, existe o Memorial da Resistência. Um verdadeiro assombro. Vale a leitura do monumental “Brasil: nunca mais”, um projeto de D. Paulo Evaristo Arns , do rabino Henry Sobel e do pastor presbiteriano Jaime Wright. Esses sim: verdadeiros religiosos, com comprometimento de corpo e alma, conhecedores das Sagradas Escrituras, cada um segundo a sua crença e todos eles profundamente humanistas e respeitadores dos direitos humanos e sempre privilegiando a vida na sua essência. Esses sim sabiam da máxima de Jesus “que todos tenham vida e vida em abundância”.

Fico pensando num eventual encontro seu com o Padre Nascimento. Na realidade, conheço muito pouco esse respeitável religioso, dada a sua timidez, o seu silêncio quase constante. Ele aparece, vez ou outra, na Pastoral da Saúde, onde trabalho voluntariamente na produção de fitoterápicos, xaropes, pomadas e afins para pessoas doentes e de baixa renda. Nos anos mais amargos e doentios da ditadura ele foi preso. Não imagino qual possa ter sido o seu crime, mas o religioso passou três dias (3 DIAS) pendurado por um braço na delegacia cá na Santa e Bela Catarina. O padre Nascimento passou a ter o físico deformado para sempre. Ele é torto. Parece uma pessoa acidentada. Simples assim.

Como seria um encontro entre vocês dois? Será que o padre Fernando olharia com tranquilidade para os olhos do Padre Nascimento sem titubear? Ou desviaria o olhar tentando demonstrar alguma distração ou a procura de algo??? Há dúvidas.

Também gostaria de lembrar que o sr. é discípulo de um preso político. Discípulo de um homem pobre com o discurso da igualdade, do amor universal, do bem e do perdão. Os “homens de bem” da época o crucificaram. Não fizeram arminhas com as mãos, mas carregaram chicotes, vinagre para lhe oferecer nos momentos da pior sede, coroa com espinhos e pregos afiadíssimos para a crucificação derradeira. Sem contar as gargalhadas diante do suplício.

E eu, que sou mãe, não imagino a intensidade do sofrimento e da dor de Maria.

É esse homem que o sr. pensa honrar? Responde, padre Fernando.

Penso que o sr. foi um péssimo aluno nas aulas de História. Não estudou ou não entendeu absolutamente nada. Ou, pior, não tem sensibilidade e respeito pelos que pensam diferente do oficial.

Pois bem! Penso que o sr. também não leu o Evangelho e nem sabe o significado da palavra. Não sou religiosa mas lhe digo: Evangelho quer dizer a Boa Nova ou a Boa Notícia. E isso significa, padre, a escrita de um verdadeiro manual de felicidade, conforme as palavras de Frei Betto. Nesse manual ensina-se de tudo: a compaixão, o amor ao próximo, o amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo, o altruísmo, a serenidade e – olha só que coisa interessante: que todos são filhos do mesmo Pai. Isso quer dizer que todos somos irmãos. Pelo que me consta, Deus, causa primária de todas as coisas e inteligência suprema, conforme os espíritas, não tolera a maldade, a hipocrisia, a indiferença, a desfaçatez e, muito menos, que irmão mate irmão. Dizem que um dos mandamentos de Deus é “Não matarás”.

Mas sei que não sou ninguém para tratar desses assuntos com um padre. Eu sei como vocês são. Trabalhei com jesuítas por 25 longos anos e sei que vocês sempre têm razão e nem gaguejam para suas respostas prontas e acreditam que “fora da igreja não há salvação”. Discordo veementemente e penso como os kardecistas, que dizem “fora da CARIDADE não há salvação”.

Onde a caridade, sr. Padre, ao apontar arminhas , registrando esse ato numa fotografia? Exaltar um sociopata (que é muito mais grave que um psicopata, diga-se de passagem). Onde o humanismo ao glorificar um fulano que odeia as mulheres, os homossexuais, os humanistas que pensam na possibilidade de um mundo mais inclusivo, digno e capaz de produzir menos desigualdade? O sr. exalta um fulano que fede a morte no seu sentido pior, mais nefasto e degradante. O sr. aplaude um sujeitinho que joga o próprio país numa imunda vala e debocha daqueles que têm que procurar um pouco de comida às custas da caridade alheia.

O sr. apoia alguém que destrói os lares e justo vocês, da igreja, que adoram falar no valor da família. Ora, tenha a santa paciência, sr. padre! O país está fedendo nas mãos de energúmenos que só desejam a morte, a ausência da razão, de sensibilidade e de fé.

Honestamente, sr. padre, a sua atitude me dá nojo. Um padre fazendo arminha me dá asco.

Tenho pena do seu rebanho. Penso que o sr. não compreendeu nada de coisa alguma: de história, de respeito, de empatia, de altruísmo, de solidariedade, e, muito menos , de religião.

Apenas ficou bisbilhotando aqui e ali alguma coisa nas Sagradas Escrituras para ludibriar os seus fieis. Que pena que eu tenho deles!! Que pena que tenho do sr.!!! Como o sr. é pequeno, padre Fernando Bezerra!

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 29/05/2021
Reeditado em 30/05/2021
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