Formiga

Ela surgiu quando me mudei de cidade, a minha cidade natal, mas a qual tinha pouquíssima familiaridade. A verdade é que quando você se acostuma com um lugar, não quer sair dali e devido a circunstâncias da época, tive que me mudar. Não conhecia ninguém na vizinhança, me sentia um tanto quanto solitária e foi quando comecei a cuidar de alguns animais de rua (na verdade não eram bem de rua).

Eles iam e vinham e eu fazia o que podia. Sempre ao pé da árvore um pote com água, medicava quando necessário e alimentação em 2 horários do dia. Religiosamente, a fileira de 5 cães (organizados do maior para o menor) apontava na esquina nos horários pré-estabelecidos (almoço e janta) para se alimentar. Eles tinham uma organização genuína, onde o maior se alimentava primeiro, depois o outro e assim sucessivamente até que todos se alimentassem. Eu não precisava intervir, eles mesmos tinham a consciência de partilha.

Eles tinham dono, mas viviam na rua e eram muito maltratados. Da mesma forma que surgiam, desapareciam e pra mim ficava o vazio dos nossos horários de refeições.

Um dia surgiram uma basset mestiça junto a uma SRD branca, elas eram inseparáveis. Assim como os outros, passei a alimentá-las e cuidá-las. Passados os dias percebi que estavam prenhas.

Continuamos com nosso ritual dia após dia: no mesmo horário elas vinham, se alimentavam e iam embora. Alguns dias se passaram e elas sumiram - imaginei que haviam parido. Quando os bebês estavam andando, até cheguei a vê-los (naquela mesma casa de onde eram os outros cachorros) bem doentinhos, assim como a SRD branca que estava completamente tomada por sarna. Um dia quando consegui, comprei um medicamento para banho, capturei-a e consegui executar a tarefa (do banho) com muito sucesso.

Nesse tempo os filhotes "sumiram" e eu continuei cuidando das 2 meninas. A sarna da SRD "sarou" e o mais estranho é que a basset não era acometida.

Passado mais um tempo, toda a situação repetiu-se novamente: ficaram prenhas, pariram, filhotes e mãe com sarna e aquilo me chamou a atenção. Pesquisei pelo assunto e acho que descobri o diagnóstico (que posteriormente um veterinário confirmou), continuei cuidando dela com banhos e medicações, os filhotes sumiram novamente e elas estavam pela rua de novo. Curiosamente, elas foram os cães que mais duraram naquela casa.

As duas estavam lindas, muito gordinhas, pois vinham se alimentar diariamente em minha casa. Um dia a vizinha me disse seus nomes: a basset era Formiga e a SRD se chamava Tica. Passei então a chamá-las pelo nome.

O inverno estava se aproximando e desta vez somente a Formiga ficou prenha. Decidi que iria adotá-las e que dessa vez os bebês nasceriam em segurança e seriam colocados pra adoção.

Como elas eram acostumadas a ficar na rua, inevitavelmente foi muito difícil adaptá-las no quintal. Tica não se habituou de jeito algum, não consegui ficar com ela, mas continuei cuidando dela em todos os sentidos. Formiga parecia que ia explodir, os bebês estavam muito grandes! Durante o dia deixava ela dar uma voltinha, mas ela sabia que agora tinha um lar. Quando chegou próximo ao parto, não deixei que saísse para que pudesse parir em casa, mas até hoje não sei de que forma, ela conseguiu fugir e pariu não sei onde. Procurei pelo bairro todo e não consegui encontrá-los.

Depois de alguns dias ela apareceu (sem os bebês).

Daquele dia em diante cada vez mais ela se sentia pertencente aquele lar. Tica vinha todos os dias, brincava com a formiga, se alimentava e era cuidada.

Infelizmente, depois de 2 anos tive que me mudar de lá. Meu coração doía por ter que deixar a Tica, mas ela não se adaptava a outro lugar. Os vizinhos me prometeram continuar com os cuidados que dedicava a ela.

Formiga, que apelidei de Fufu era o meu amorzinho, meu xodó. Viveu de sua vidinha 10 anos comigo, os quais em seu olhar me demonstrava sua eterna gratidão e amor. Minha véia, foi acometida pela doença do carrapato e devido a idade não resistiu. Tentei de tudo para que tivesse a saúde restabelecida, mas não foi possível. No seu último dia já internada na clínica, pude olhar pela última vez nos seus olhos. Parecia que ela me pedia permissão para me deixar - falei explicitamente a ela que podia descansar. Olhei em seus olhos e lhe concedi o pedido. No dia seguinte ela virou estrelinha e sei que até o seu último dia, me amou incondicionalmente.

2° texto da série "Animais de estimação"