A LOURA

Onde será que ela está?

Morava na rua principal da cidade. Era uma casa verde e antiga com um portão de entrada do lado direito. Um portão de ferro retorcido em bordados que ficariam muito bonitos em uma cama de casal. Após a minúscula varanda havia uma porta de madeira em duas bandas. Ficava só uma delas aberta. Lá dentro tudo era escuro. Havia um ar de mistério misturado com a sensação de perigo. De lá de dentro do corredor daquela casa, surgia a moça velha que vista de costas parecia uma jovem. Cabelos loiros e já tingidos por causa dos brancos reveladores de suas mais ou menos seis décadas e alguns trocados. O penteado era o de Catherine Deneuve, o rosto, de Grace Kelly, o corpo, de Audrey Hepburn. Tudo gasto. Tudo passado ao ferro do tempo. Usava batom vermelho, e duas patacas redondas e melotadas de rouge. Era o nome do blush dos anos 40 e 50. Geralmente os vestidos da loira eram de cintura, a saia levemente rodada, em godê. Os sapatos, salto carrapeta, fechados, pretos. Tinha no pescoço um colar de pérolas descascadas e, nas orelhas, brincos com pedras de rubi falso. Não importava o horário, a figura estava sempre preparada para a noite. Os anéis brilhavam, talvez por causa do sol, ajudante dos que não têm jóias garantidas. As unhas pintadas de vermelho encobriam lodo de cozinha, restos de alimentos. Diziam que ela não tomava banho. Calada, caminhava suave com seus pezinhos mimosos. Voltava da padaria da esquina com uma sacola de leite e outra de pães. Entrava e sumia no corredor escuro. O cão pela coleira.

Vivia só, aliás, com uns três ou quatro pastores alemães bonitos e bem tratados. Inclusive lavados. Todas as pessoas da rua a cumprimentavam e, ao mesmo tempo, perguntavam por que aquela exótica figura feminina não se casara. Dava para notar que havia sido uma bela mulher.

De lá de dentro da casa de meia porta sempre aberta surgia uma novidade, um homem loiro, alto, bonito. Era um norte-americano. Fumava como os artistas e tomava alguma bebida no bar da esquina contrária à da padaria.

O casamento aconteceu. Vestido branco, véu e grinalda. Estava linda! Um amor de filme envolvia aquele casal abraçadinho. O cão do lado. A rua ficou feliz. Todos se aquietaram. Veio a separação. A América recebia o seu filho de volta. A loura e seu animal foram felizes para sempre.

13/03/2005

Verão: 23 horas