A morte da PITUA

“Assassinato....” Falou a última que tinha visto o triste acontecimento. Ao chão do quadro branco estava imóvel um camarão fêmea. Pelas cores ainda vibrantes que caracterizam a sua espécie foi constatado que tinha morrido há pouco tempo. Talvez pelas 6:00h da manhã, ou um pouco depois.

O laboratório estava fechado desde a noite anterior, quando a camarão ainda foi vista com vida, por volta das sete horas da noite. O último a sair tinha fechado as janelas, desligado as luzes e deixado ligado apenas a estufa e os aparelhos de aeração para o tanque e aquários.

“Ela quis deixar um recado no quadro...” falou o outro com um tom alto. Todos olharam para ele.

Os mistérios do laboratório. Em semanas anteriores tinha sumido um livro. Ninguém o pegou, ninguém viu, o livro simplesmente desapareceu do laboratório. Um dia ele estava dentro do armário, no outro tinha sumido.

No último andar do prédio do instituto de pesquisa, ficava o laboratório de carcinicultura. Perto da escada e sem luz no corredor. Os únicos seres vivos que ficavam no prédio após todos os pesquisadores saírem eram os animais: ratos, coelhos e camarões. Ora e quem teria uma visão mais privilegiada do laboratório de carcinicultura a noite??? A Pitua, aquele belíssimo exemplar de uma fêmea de uma espécie nativa de camarão de água doce.

Deitada sobre suas patas ela tinha, do aquário, uma visão única do laboratório. Via quem entrava e saía, o que faziam, e ainda mais, o que deixavam de fazer. Os outros camarões não tinham esse privilégio todo, viviam confinados num tanque de fibra sintética azul e nada podiam ver além do “seu mundinho particular”.

E lá estava ela debaixo do quadro branco e perto da geladeira, morta.

Como será que foi difícil para ela sair de seu aquário, no alto da bancada, descer até o chão, provavelmente sofrendo durante todo o percurso, rastejando pelo chão até chegar ao local onde seria seu túmulo. E tudo para que? Para ajudar a solucionar os mistérios do laboratório.

Em noites anteriores, ela deve ter sido acordada no meio da noite e visto algum furtivo ser entrar as pressas no laboratório, vasculhar os armário e sair com único exemplar do livro do laboratório. Mesmo sem conseguir enxergar direito na penumbra do laboratório, pelas características físicas tinha conseguido identificar aquele que pegara o livro e a coragem para dizer quem foi levou-a a morte.

“Que é isso ela simplesmente caiu do aquário” falou um rapaz alto.

Mas será mesmo que ela simplesmente cairia do aquário? Nunca tinha feito isso, na verdade ela tinha um histórico de um camarão fêmea pacífica, simples e que gostava mesmo de estar em casa (um bonito cano branco) não gostava de sair para passear no aquário.

“durante o dia, era sempre cheio de gente, aqui acolá entrava uma mangueira no meu aquário – na minha casa – para a troca de água”, pensava a camarão fêmea, e isso a incomodava.

“O que faremos com ela?” perguntou um dos estudantes que estavam em volta do camarão fêmea.

“Formol” respondeu o outro.

E assim do alto do laboratório, ao lado de um macho de sua espécie que também tinha tido um encontro com a morte. Ela ainda mantém a visão, desta vez ainda melhor, do laboratório. Mas o segredo que tentou revelar, sendo este o motivo que a fez jogar-se para fora do aquário, num último ato de coragem, estará para sempre perdido. Com a sua morte o mistério do livro do laboratório nunca será revelado.

Bruno Edson
Enviado por Bruno Edson em 07/11/2007
Reeditado em 08/11/2007
Código do texto: T727233
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