CRÔNICA DA CATARSE!...

(Para Andreia)

Antes tarde do que nunca...

E aqui, agora, faço meu testemunho e ofereço minha sugestão.

Seja em algum dia, na sala aconchegante da, ou do terapeuta, seja nas linhas, como escritores, ou na intimidade confiável de uma roda de amigos, ou de um, ou uma só amiga... num parque ou café, ou em casa; ou ao, ou à confidente amado (a), falem!

Contem! Esclareçam! Em algum momento - mas nunca deixem uma injustiça passar!

Narrem a versão verdadeira daquela história antiga, da qual entubaram agressivamente, goela abaixo de um criança inibida e indefesa, a versão conveniente, para a sujeitarem a horrendo constrangimento. E atrás da qual se ocultaram uma, ou duas mentes doentes, problemáticas, covardes, se eximindo de culpa ao utilizar outrem como bucha acusatória: a garotinha, ou garotinho que, na época, com no máximo 10 ou 11, na sua natureza retraída nada entendia de defesa pessoal - sobretudo contra a perfídia já proeminente, infelizmente, na falta de caráter de alguns da sua idade, assessorados por adultos que eram os seus modelos!

Pois é assim que uma criança desarmada entuba a culpa de outrem: debaixo de constrangimentos e ameaças de familiares atarantados. E a versão falaciosa fica. E os verdadeiros responsáveis saem aliviados e felizes. A dignidade das vítimas é honrada, mas a mordaça injusta aposta no acusado (a) é tão bem ajustada que, lá pela metade da vida, ainda não foi vomitada. Por não ter sido esclarecida, nem retificada. 

Sem chance de respirar!

Todos saíram felizes - mas aquela personagem seguiu com a mordaça, sem poder berrar o sonoro "NÃO FUI EU! EU NÃO DISSE!..."

Vou resenhar, resumidamente, a causa dessas reflexões  porque o espaço de uma crônica, neste contexto, não pede detalhamento de todos os pormenores sórdidos.

Afinal, há décadas os pormenores e respectivos personagens se esvairam como nuvens - felizes ou infelizes, pouco se me dá. Enquanto ainda trago comigo esta prisão de ventre. Este caroço de manga engasgado na garganta, com superbonder, e olha que isso nem existia naquele tempo! 

Mas se esvairam todos! E segui como culpada de uma fofoca que estourou naquela vila de subúrbio, sem mais nem menos. 

Alguém disse que alguém tinha dito algo sobre uma mocinha, pré-adolescente, do bandinho de crianças que cresceram juntas ao longo dos anos no aconchego daquele endereço. No contexto daqueles tempos... de outros tempos!...

Mas, miseravelmente, quem disse, disse que eu tinha dito!

E sem mais nem aquela, houve um reboliço. A tal história, da qual, então, eu nem mesmo sabia de onde tinha surgido, se alastrou como rastilho de pólvora. E logo os adultos, sérios, graves - os familiares da tal menina envolvida - apareceram, impetuosos, como inquisidores das cruzadas!

Lembro do burburinho deles com parentes vizinhos, com meus pais, quando surgiram de supetão na nossa casa; a mãe da 'caluniada' me olhando de esguelha, a expressão entre perplexa e de quem não entendia absolutamente nada do que acontecia.

Mal sabia ela que eu era, na situação, a que menos entendia, atarantada como estava!

A fofocada se alastrou na vila. Fui encurralada por amigas da onça, curiosas. Quem lhe disse?! Como você soube?! Onde viu?!... E eu, engasgada, tímida que sempre era, sem ação, sem defesas!

Sabia lá do que falavam?!...

Acontece que o desastre maior aconteceu porque meus pais, visitados pelos parentes da tal menina, também e provavelmente perplexos e acuados, se viram na contingência, em nome da decência, da honradez e da dignidade - e sem nem mesmo uma conversa honesta a portas fechadas comigo sobre o assunto - de me encurralarem, por sua vez! Com um ultimato, e me passando uma descompostura!

As palavras ácidas até hoje ecoam, longínquas, é certo, na memória. Mas, como um pesadelo longínquo, que
nem por isso deixam de ser pesadelo:

- Você mentiu! Tem que nos contar! Que história é essa?! - Atacava meu pai, ameaçador. E justo ele, em lugar de minha mãe, que sempre comparecia manso como um lago parado, mas que, nas raras vezes de enraivecimento, corria atrás, e me voava um chinelo em cima.

Foram os condimentos suficientes para que eu desvairasse! Porque, encurralada entre a inquisição de fora de casa, e a de dentro, concluí de alguma forma, no meu delírio, que se todos me acusavam sem hesitar de algo, na certa eu era mesmo culpada - e deveria assumir, de algum modo, toda a responsabilidade daquela maluquice de uma vez... antes de tomar uma surra em casa, se não confessasse e me redimisse, ou provavelmente alguma outra, de natureza indefinida, da família da garota, ou de todas as amigas com quem cresci juntas! Todas na torcida, macomunadas, àquela altura, na minha condenação sobre o que eu 'disse'! Que ninguém sabia baseado no que foi dito, quando foi dito, ouvido por quem que nunca apareceu... e que motivou o castigo que a garota tomou em casa, e a consequente reação inquisitorial da família, diante de quem julgaram os envolvidos!

Sei que, no meu frenesi, como uma bruxa prestes a ser lançada na fogueira, debaixo do assédio da tortura psicológica, confessei tudo - tudo que não tinha feito!

Que tinha dito... o quê?! Não sabia bem o quê! Nem porquê! Nem a quem! Nem baseado em que!...

Seriam essas, na verdade, as respostas verdadeiras às perguntas sôfregas com que me bombardearam as amiguinhas da onça e circunstantes daquele cenário, dito típico de vizinhança de subúrbio!

Com isso, a família da garota, de algum modo, se deu por satisfeita e foi embora. Haviam se mudado para outra cidade recentemente, e retornaram para o seu castelo. Imagino, hoje, que depois de terem meus pais ajoelhados aos seus pés se penitenciando pelo meu suposto mal feito terrível e imperdoável (por mais soubessem eles, pois me conheciam - aquela criança ingênua ao ponto de ser idiota, que acreditou em Papai Noel até quase os dez anos... não havia substância no meu espírito para engendrar fofoca daquele calibre malicioso. Simplesmente não!)

A garota em questão passou a me odiar.  

Aquilo tudo foi assunto do dia durante algum tempo, no repertório das fofocas usuais.

E o, ou a, verdadeiro (a) autor (a) da fofoca, como desde o começo de tudo, permaneceu enfurnado, ou enfurnada nas sombras da sua covardia, e assim continuou...

Como continua até hoje!

Só que, mesmo até hoje, salvo em conversas realizadas nos tempos já de maturidade com meus pais, trago engasgada, sob a mordaça ajustada ao meu rosto, a culpa indevida! 

O olhar de raiva daquela menina, nas poucas vezes em que deu comigo após o acontecido. O olhar enviezado da mãe dela, ao entrar na minha casa para a 'conversa entre adultos'; as perguntas esfervilhantes de prazer misturado à malícia, de algumas amiguinhas que adoravam ver o circo pegar fogo...

Meu pai me inquirindo, como um inquisidor da Idade Média; eu engasgada, tentando puxar pela memória para lembrar o que diabos foi aquela história tenebrosa que falei sem ter falado, e com base em quê tinha falado, sem conseguir de jeito nenhum lembrar - e enfim capitulando, admitindo uma autoria infame que não me pertencia, nunca me pertenceu!

Pertencia, como ainda pertence, a quem, na certa, assistia todo aquele tumulto das sombras da sua covardia. Talvez algum (a) pré-adolescente daquelas paisagens já nebulosas da minha infância e primeira juventude, temendo as consequências do seu destempero verbal, diabolicamente imaginativo!...

Sabe-se lá!...

Talvez vingança, ou maldade pura e simples, contra o desafeto que lhe inspirasse a tal menina, vitima da calúnia. Talvez nada disso.

Prazer de fazer fofoca, puro e simples... Sem calcular o estrago ainda maior, é provável, que se instalaria, nem tanto na garota que teve a sua dignidade redimida a pulso da aferição da verdade encarniçada levada a cabo pelos pais - mas na acusada inocente da autoria do mau feito!


Que de culpada nada tinha, e que carregou pela vida afora, encroada no espírito, a dor da acusação injusta, da posição indefesa, do lamentável equívoco dos pais que não souberam, no seu anseio de justiça, justiçar devidamente a única filha que, esperava-se, conheciam bem!

Hoje, com a consciência limpa pacificada, da altitude da meia idade, dou por contornado o sofrimento psicológico e emocional que aqueles episódios me provocaram durante muito tempo, e regozijo-me da minha atual posição como escritora, com alguma formação em psicologia, que dispõe da ferramenta da literatura para desenvolver reflexões, poemas, meditações, artigos, crônicas...

Como esta crônica / catarse!

Mas é também nesta qualidade que, olhando para trás, para este passado distante como uma reencarnação anterior, me permito fechar o texto com algumas respostas e afirmações, que podem ser consideradas anacrônicas. 

No entanto, em se tratando de retificação emocional, espiritual e psicológica, nunca é tarde!

Assim,

- Eu não disse nada!!
- Eu não sei quem foi!!
- Eu não sei, nem quero saber se foi verdade!!
- Provem que eu disse!!
- Não tenho que pedir desculpas a ninguém!!

- E se não acreditam, o problema é todo de vocês!!


E, só para não esquecer:

-  Que a justiça maior de Deus se abata sobre todos os fofoqueiros, todas as fofocas, e que todos eles vão arder no mármore do inferno!

E, em especial, para todos os pais sinceros:

se amam, e se de fato conhecem seus filhos, de qualquer idade que sejam, pensem mil vezes antes de permitir que os artifícios das perfídias do mundo contaminem os seus vínculos de amor legítimo com acusações, desconfianças infundadas e consequentes repercussões infelizes, que infiltrem na estabilidade sagrada de um lar dor e tristezas difíceis de se sanar nos espíritos dos envolvidos!

Paz, saúde, amor, e a proteção e justiça inefável de Deus a todos vocês que me leem!

Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 13/06/2021
Reeditado em 18/09/2023
Código do texto: T7277901
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