Meu filme

Do céu ao inferno.

Tudo na vida é marcante. Os fatos, por mínimos que pareçam, agarra-se a nossa memória e se constituem em passados.

Tudo é passado. As minuciosas formas dos fatos, os pequenos detalhes, são os resquícios da vida.

Os filmes de nossas vidas.

Por mais que eu tente eliminar meu passado, ele permanece resistente a tudo e a todos. São os dejetos da mente, é a confirmação que estivemos presentes nas merdas que fazemos na vida.

Meu filme.

Do abrir ao fechar dos olhos, de um neurônio ao outro, só lembranças e mais lembranças.

Meu roteiro.

Nenhuma lembrança é boa. Para fazer uma boa lembrança é preciso passar por toda dor da caminhada. Toda boa lembrança é acompanhada de dor.

Eu sendo ator do meu filme.

A realidade, a vida real, só é o suporte para fabricar nossas ilusões. A vida só é real em nós mesmos.

Atuando e dirigindo.

Duraram poucas horas para eu fabricar a melhor lembrança da minha vida, para fabricar vida. Por mais dolorosa que seja, sempre estará comigo. Foi tudo belo, tudo bom. Deu tudo errado nos pós, mas o durante é um clássico. Não precisa nem de filme para suscitar emoção, é só lembrar e pronto...

Ok, pára tudo.

Eu sendo ator sem perceber. Dirigindo o filme da minha vida, oscilando entre drama e comédia. Sem pausas, só improvisações.

Esta coisa que me consome.

Esta merda de produção, essas cenas mal feitas, esse roteiro idiota, esse figurino de merda, esse cenário ridículo. A vida sendo um filme e eu fazendo tudo errado.

O primeiro passo para uma boa história é torna-la uma péssima história. Ninguém quer ver algo belo, as pessoas não querem finais felizes, elas não se interessam por histórias felizes. Ninguém quer ver histórias parecidas com as suas: entediantes. Elas querem abrir o jornal e ver homens bombas explodindo tudo, querem ver corpos mutilados e pessoas banhadas de sangue. Elas querem ver policiais cometendo xacinas e espancando pobres, elas querem ver famosos viciados em drogas.

Elas querem violência ao extremo, elas querem aquilo que vêem nos filmes. Querem aviões explodindo edifícios. Não basta ver ficções com explosões e tiros na cabeça, elas querem explosões e tiros na cabeça.

Hollywood da vida real.

O prazer agora deve vir sendo o mais real possível. Os filmes não devem explodir maquetes de papelão, devem explodir uma casa igual a do seu vizinho, não querem bonecos sendo mortos, querem imagens gráficas que realmente mate.

Querem sair do cinema e achar que aquilo realmente aconteceu.

O filme da minha vida, minha obra-prima, deve seguir os passos dos filmes atuais. Cantar e dançar na chuva está fora de moda, é ridículo, sem graça. Eu tenho que cortar meus pulsos, tomar drogas, ficar louco. Isso sim... isso sim é moda, isso é arte, isso que é interessante, é isso que todos esperam.

As pessoas estão produzindo filmes umas para as outras. Ah, como eu queria ver meu colega de faculdade entrando no saguão e matando todos que estão a sua volta. Como eu gostaria de falar que eu conheci uma pessoa que se suicídou: "Meu melhor amigo.".

Eu preciso sabotar meu colega, preciso fazer alguém me amar a ponto de se matar. Eu preciso judiar das pessoas para ver se elas fazem algo "diferente". Eu queria comprar uma pipoca e ver eles sendo atores de filmes sanguinários e doentios.

Eu sendo o diretor, o roteirista das vidas alheias.

Meu roteiro, minha história verídica.

Eu sendo filmado.

Plínio Platus
Enviado por Plínio Platus em 08/11/2007
Reeditado em 08/11/2007
Código do texto: T728333