Leitura obrigatória para tempos trevosos.

Esse tempos sombrios, de paixão pelo negacionismo e outras estupidezes e até de orgulho pelo obscurantismo, a filosofia vem nos socorrer do colapso emocional.

Confesso que tenho lido muito, inclusive por resistência. Temos no poder uma suposta elite relinchante que nos quer também ignorantes e submissos. Então, leio e produzo. A mesma elite delinquente nos quer mortos ... e teimo em viver e partilhar a comida como nunca.

A teimosia se relaciona à arte da resistência e esta é o que temos de melhor por agora. Resistir sempre é a palavra de ordem para todos aqueles que ainda querem, sonham, desejam, almejam um tempo de serenidade, paz, progresso e dignidade. Então, à resistência!!!

Minha indicação de leitura para esses tempos trevosos é “Complexo de vira-lata – análise da humilhação brasileira”, de Márcia Tiburi, ed. Civilização Brasileira, publicada neste ano.

Uma leitura densa, ultra necessária, pontual e profícua. A autora recorre à psicanálise e a História para traçar nossos complexos e tantos traumas que nos unem como brasileiros... E afirma: “colonizar é humilhar aquela gente. É reduzir o outro à posição de objeto com o intuito de rebaixá-lo e dominá-lo. Como um cão”.

Márcia Tiburi, com muito rigor e competência, nos provoca grandes reflexões acerca do nosso passado colonial e de toda a força psíquica imposta aos nativos da América, criando condições psicológicas necessárias para o exercício do poder autoritário, destruidor, explorador e mantenedor de uma ordem capitalista em nome de uma Europa capaz de buscar incessantemente pelo ouro, consolidando o seu poder sobre as terras ditas “descobertas”, não se falando, portanto, em “encobrimento de civilizações”.

No capítulo “Política da Humilhação” , a autora destaca:

“A humilhação é o processo concreto que impede a construção de qualquer laço emancipatório. .. a humilhação se tornou uma tecnologia política. É uma estratégia de sucesso na produção de diversos tipos de conquistas, mesmo as que se vendem como sedução e poder até parecer agradável aos desavisados... a humilhação nos assalta com a colonização. A colonização praticou a humilhação durante um longo processo histórico que chega ao tempo presente visando atingir a capacidade de pensar e de sentir o corpo colonizado... povos são transformados em massa irreflexiva e insensível, submissa e obediente por meio da contínua vampirização psíquica e moral que constitui a ação colonizadora que não se sustentaria sem a prática da humilhação”.

E mais: no capítulo “A hipnose colonial”: “A atitude colonial implica a criação de visões de mundo, de denominações e de marcações preconceituosas em um círculo a ser imitado. Colonizadores e colonizados entrelaçam seu destino como dominantes e dominados, senhores e escravos, algozes e vítimas”.

No capítulo “Intrusos”, lê-se – “Em geologia, a intrusão designa o processo pelo qual uma rocha se cristaliza depois de ter invadido uma outra rocha... a imagem da rocha é a metáfora válida para pensar o ponto de partida das relações que se desenvolvem a partir da intrusão... dizendo que os invasores eram descobridores e heróis. Consegue-se descartar a visão de invadidos. O objetivo dos jogos psicológicos é sempre acabar com a razão dos outros. A marcação é um método eficaz de construção do outro, que sempre foi usado por igrejas, governos a atualmente é usado também por meios de comunicação. O capitalismo não existiria sem a marcação de pessoas sob os signos de escravo, negro, mulher, e, inclusive, um temo aparentemente inofensivo, como é o caso de consumidor”.

Finalizando: “A carência de reflexão de nossa sociedade produz um tipo de coletividade extasiada, aprisionada em ideias prontas e cenas espetaculares que se apresentam como verdades expostas por líderes espetaculares em diversas escalas. Há algo em comum entre a performance do apresentador do Jornal Nacional e o presidente da república. Todos participam da inimizade que é a forma promissora de fazer política destruindo-a”.

Ótima leitura e excelente reflexão para todos vocês.

Vera Moratta e Márcia Tiburi
Enviado por Vera Moratta em 21/06/2021
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