Atrasado

Ele me olhou nos olhos como se estivesse conversando com um filho. Achei esquisita a situação. E ao mesmo tempo me veio um sentimento de lugar comum. De familiaridade. Apesar de nunca ter me imaginado ali. Ele, o meu sogro, tinha três filhas e nenhum filho homem. E eu, tinha mãe, mas não tinha um pai... pelo menos não um pai presente. Então acho que aquela conversa era um tipo de novidade pra nós dois.

- Veja só, meu filho. Estou falando com você aqui por uma preocupação genuína. Não quero soar hipócrita com você. Eu sou homem. Já fui jovem como você, e sei o que se passa na cabeça de um cara da sua idade. – Ele me disse.

Tomei um gole de cerveja e tentei processar as palavras dele. Mas não disse nada pra não lhe impedir a linha de raciocínio.

- Eu sei que é muito fácil se perder no meio do entusiasmo da juventude. Tem muitas mulheres no mundo. Muita coisa pra se viver. E você é um cara jovem. Então te digo. Tenha cuidado com suas decisões... – Continuou.

- O que o senhor quer dizer com isso tudo?

- Quer dizer que quando uma mulher descobre uma traição, ela pode até te perdoar, mas nunca mais vai ser a mesma coisa. Foi assim com minha esposa. No primeiro momento, eu achei que fosse ficar tudo bem. Mas hoje eu percebo que assim que soube do meu vacilo, ela se divorciou de mim, e se casou com o rancor. A aliança permaneceu no dedo dela, mas a paixão morreu... Azedou. E eu percebi tarde demais pra poder salvar a melhor coisa que tinha acontecido na minha vida.

- Entendo... – Falei, mesmo sem compreender exatamente onde ele queria chegar.

- Meu pai dizia sempre: “Meu filho se você quer saber como uma mulher será quando envelhecer, olhe pra a mãe dela.” E eu posso dizer com toda a segurança pra você. Minha filha puxou muito mais à mãe do que a mim.

Abri mais uma lata de cerveja e enchi os nossos copos.

Ele ficou me olhando, como se tivesse dito tudo o que tinha que dizer.

- O senhor se arrepende? – Perguntei.

- Pra ser sincero... Não sei dizer. Eu vivi o que precisava viver. Se eu me arrependo de algo, é de ter magoado minha mulher. Mas não sei se eu faria diferente se tivesse que viver tudo de novo hoje.

- É muito fácil querer mudar o passado. Difícil é fazer diferente no presente.

- Exatamente...

- Nunca é fácil. Acho que tenho uma tendência maior ao erro do que aos acertos. Mas sigo tentando. – Falei, tomando um gole da cerveja.

- Minha filha tem sorte. E você tem mais sorte ainda.

Eu sorri. Ele também.

Meu sogro se levantou. Ajeitou a gravata chamou o garçom.

- Precisamos ir agora. Melhor não deixar o padre esperando. – Ele falou.

Esvaziei o copo de cerveja e me levantei. Olhei pra a rua e deu pra ver um carro parado na frente da igreja.

Ainda consegui ver o vestido da noiva desaparecendo na entrada.

Eu estava atrasado... como sempre.

Mas dentre os meus desacertos, eu sabia... esse era o menor de todos.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 24/06/2021
Reeditado em 20/07/2021
Código do texto: T7285921
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.