REVISITANDO MANUEL BANDEIRA

REVISITANDO MANUEL BANDEIRA

Nelson Marzullo Tangerini

Ao sair de casa para o trabalho ou para um passeio habitué pela Velha Lapa, o poeta Manuel Bandeira, Acadêmico e ex-professor do Colégio Pedro II, se deparava com a propaganda do sabonete Araxá e suas três meninas. As propagandas, na época, eram veiculadas nos bondes ou afixadas às proteções a árvores nas ruas e avenidas da cidade.

E, assim, o poeta, observador atento, expressou o seu desejo – erótico – pelas referidas deidades na “Balada das três mulheres do sabonete Araxá”, escrito tem Teresópolis, RJ, em 1931:

“As três mulheres do sabonete Araxá me invocam, me [boulevasarvam, me hipnotizam.

Oh, as três mulheres do sabonete Araxá às 4 horas da tarde!

O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá!

Que outros, não eu, a pedra cortem

Para brutais vos adorarem,

Ó brancaranas azedas,

Mulatas cor da lua vêm saindo cor de prata

Ou celestes africanas:

Que eu vivo, padeço e morro só pelas três mulheres do sabonete [Araxá!

São amigas, são irmãs, são amantes as três mulheres do [sabonete Araxá?

São prostitutas, são declamadoras, são acrobatas?

São as três Marias?

A mais nua é doirada borboleta.

Se a segunda casasse, eu ficava safado da vida, dava pra beber e [nunca mais telefonava.

Mas se a terceira morresse... Oh, então, nunca mais a minha vida [outrora teria sido um festim!

Se me perguntassem: Queres ser estrela? queres ser rei? queres [uma ilha no Pacífico? um bangalô em Copacabana?

Eu responderia: Não quero nada disso, tretarca. Eu só quero as [três mulheres do sabonete Araxá:

O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá!”

Vendo que era possível se expressar desta forma, pegando a mensagem conativa da linguagem e transformando-a em poética, escrevi, também, uma poesia erótica para o out door que veiculava uma propaganda da calcinha Hope, o qual avistava de dentro do ônibus, quando ia para o trabalho:

“OUT DOOR

A moça do out door me provoca.

E eu não sei mais se o assunto interessa

a mim ou à minha namorada.

Detalhes ousados,

meu corpo suado,

dependurado no corrimão do ônibus.

Arrisco um olhar,

enquanto a mente trabalha

um pensamento erótico.

Penso na namorada

naqueles mínimos detalhes;

E sorrio para a minha alma

e para o meu coração”.

Bandeira, que me proporcionou este momento, diante de um out door, era craque em transformar Mensagens, como foi o exemplo de Tragédia Brasileira, pequena crônica poética, a partir de uma notícia de jornal, que é uma mensagem referencial:

“Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade,

Conheceu Maria Elvira na Lapa – prostituída , com sífilis dermite nos dedos, uma aliança emprenhada e os dentes em petição de miséria.

Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista, manicura... Dava tudo quanto ela queria.

Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado.

Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada disso: mudou de casa.

Viveram três anos assim.

Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa.

Os amantes moravam no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos...

Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontra-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul”.

Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho, que nasceu em Recife, PE, a 19 de abril de 1886, filho de Manuel Carneiro de Souza Bandeira e Francelina Ribeiro de Souza Bandeira, veio a falecer na cidade do Rio de Janeiro a 13 de outubro de 1968.

Bandeira, que passou por diversos estilos, como o Simbolismo e o Parnasianismo, é uma das principais figuras da Semana de Arte Moderna de 1922, embora não tenha ido a São Paulo para a abertura do Movimento Modernista. Seu poema “Os Sapos” foi lido pelos modernistas, que viriam a mudar para sempre a história da literatura brasileira.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 25/06/2021
Reeditado em 25/06/2021
Código do texto: T7286512
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