É NEVE E NÃO AÇÚCAR

No último dia 21 teve início o inverno de 2021, as lembranças de infância afloraram, veio à tona a maior neve que presenciei em Clevelândia, minha cidade. Ela está situada no Sul do Paraná a mais de 967 metros acima do nível do mar, como se vê, pertinho do céu, está entre as mais frias do Brasil, tanto é verdade que hoje a previsão da meteorologia para o próximos dias 29 e 30 é -2°C negativos. Motivo este, que durante minha vida acabei por ver muito frio, muitas neves, mas aquela sem dúvida foi à maior.

Era final de tarde, haviam muitas nuvens baixas e escuras, a temperatura começou a baixar rapidamente e logo não se viam mais ninguém nas ruas. No outro dia acordei bem cedo, minha mãe me pediu para chamar o seu Leonildes, era um senhor que trabalhava com meu pai e morava em uma casa aos fundos da nossa. Lá chegando, após bater a porta, disse: “acorda seu Leonildes, vem ver uma coisa”. Ele saiu sonolento e me indagou: “quem derramou açúcar aqui na porta?!”. Respondi: “então a cidade está toda melada, é neve e não açúcar”. Então ele olhou para fora e com admiração disse: “NOSSA!”. Logo a seguir vi meu cachorro de nome Cacique sair de sua casinha. Ele estava com tanto frio que caminhava rengueando, caminhava todo torto. Ele confirmava o ditado aqui do Sul “é frio de renguear cusco”.

Decorrente do frio, as escolas suspenderam as aulas, não demorou e me encontrei com a piazada, meus amigos, fomos todos nos esquentar na “boca” do forno da padaria de meu tio Vinicius, o qual era alimentado por pequenas toras de madeira, a “boca” do forno ficava para fora da padaria. Haviam toras próximas a boca do forno às quais utilizávamos como banco. Ali a conversa rolava solta, eram histórias e estórias, falavam-se de caçadas de setras, futebol e outras. A setra para quem não sabe é o popular estilingue, budoque, aqui chamamos de setra, até hoje fico com pena dos passarinhos. Naquele dia o assunto foi a respeito da neve e das assombrações, esta última nós piás as chamávamos de “visagens”, era mês de gosto e os mais velhos diziam que era neste mês que o lobisomem aparecia, rondava. À noite não precisa nem dizer, demorávamos muito a dormir com medo do lobisomem, e das “visagens”.

Naquele dia o frio era intenso, todo o Sulista sabe que no frio rola café até queimar a língua, os adultos o tomam com graspa; na cozinha se esquenta a mão até na fumacinha da panela; a japona sai do guarda-roupa; calça uma em cima da outra ou quando não até mesmo em cima do pijama; as meias são dois pares ou mais; em casa se anda até com cobertores; para dormir se aquece tijolos ou litros de água quente para aquecer a cama. Na chapa do fogão não falta pinhão. Na cidade foram feitos muitos bonecos de neve, juntamente com meus irmãos e nossa tia Beverly, irmã mais nova de minha mãe, tiramos fotos. As fotos até hoje são guardadas com carinho. Por dois dias não se viu a luz do sol, e após, lentamente, a neve foi derretendo e os bonecos foram desaparecendo, tal como que se a beleza da natureza estivesse dizendo até outra oportunidade, "tchau!".

Hoje, após tantos anos, percebo que muitas coisas mudaram, as fotos estão amareladas, os cabelos estão brancos como a neve, a única coisa que não muda e não desaparece é a saudade matadeira de um tempo de piá feliz. Vivamos o inverno com alegria, esta estação também faz parte da esplendida natureza criada por Deus.