Coisas do filho amado.

Uma das frases que mais me lembro dos tempos de menina era: “não dê conversas para estranhos”. Com muita frequência os meus pais diziam isso e a vó reafirmava. Realmente, eu passei a ter muito medo de pessoas desconhecidas, da sombra, de ameaças que eu nem sabia exatamente quais seriam. Já naquela década de 60 se falava muito da violência em São Paulo, das enganações, das sutilezas da maldade... e eu tinha mesmo muito medo e logo já ia me esquivando de qualquer aproximação.

Décadas depois, eu passei a dizer para o meu Vinícius: “não dê conversas prá estranhos, filho”.

E ainda hoje, passados mais de trinta anos dessas minhas vãs orientações, me surpreendo rindo das atitudes desse filho amado: ele simplesmente passou a ser o avesso do avesso do avesso do que eu candidamente orientava: não perdia oportunidade e era um tal de conversar com todo mundo. De pequeno ele já sabia o nome de toda a vizinhança, coisa que eu nem imaginava. Quando eu via, estava ele na casa da velhinha do andar de cima para a sua festa de aniversário... coisa que eu nem sabia. Mas o meu filho sabia tudo: quantos anos a velhinha fazia, quem estava lá, o que falaram... e ainda trazia bolo prá casa.

Na minha porta de entrada tem um janelão de vidro e, quando pequeno, ele ficava ali, comendo alguma coisa e apreciando o movimento. Um dia, enquanto eu fazia o almoço, só escutei o garoto perguntando para uma outra velhinha: “a sra. quer batatinha, dona Marília?”, enquanto ele, de calças curtas, degustava o seu pacote de batata rufles. Bem, não preciso dizer que eu nem sabia o nome da senhorinha. Mas o Vinícius sabia.

E quando ia passar os finais de semana na casa da avó chegava logo cumprimentando toda a vizinhança do prédio: “oi, dona Marilda, como vai a sra.???”

E sabia da religião das professoras, quem separou, como a filha da outra professora falava... Nunca um conselho fora tão inútil e eu jamais saberia que eu, tão antissocial, teria um filho tão esplêndido, tão maravilhoso, único, ímpar na sua capacidade de saber viver em paz.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 28/06/2021
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