OS CAQUISEIROS DE DONA PERCILIA

MEMÓRIAS DA MINHA RUA

(UNS VERSOS PRA DONA PERCÍLIA)

A rua da minha infância acaba de ganhar magnifica infra estrutura.Ficou bonita, asfaltada, com passeios e arborização que as belas moradias ao longo de quase 1 Km o fazem por merecer.

Nota dez !

Mas esta mania incorrigível que tenho me faz puxar o tapete asfáltico e recolocar em seus devidos lugares aquelas moradias e paisagens do “tempo de dantes”.

Refeito o cenário, busco em meus guardados uma manhã de sábado.

A então, rua do Fomento desperta em seu burburinho.

Pipocam meninos pela estrada de chão, mulheres varrem terreiros com vassouras de mato, feito lençol uma neblina rala encobre o casario.

A bodega do Adélio já abriu as portas e o dono da venda se espreguiça e boceja em gestos solenes que lembram um bichano retornando da noitada.

[ Sábado melhora o faturamento e dona Labibe – a esposa – com aqueles olhos de safira e a ternura de junquilhos precoces , dá andamento à primeira fornada de suspiros em forno de barro ]

Lentamente o sol vai retirando o cobertor de brumas e , delineadas em vermelho, as janelas espreitam o novo dia raiando cheio de promessas.

“Belarmino e Gabriela” num rádio em som alto, falam de “Casas Lorusso”, em Curitiba, depois cantam Mocinhas da cidade.

A manhã agiganta-se e a rua do Fomento põe-se à espera de mais uma comitiva trazendo noivos e convidados da Colonia São Lourenço.

Dezenas de carroças haverão de cruzar o trecho,enfeitadas de crepon e galhos de palmeiras.

Roupas coloridas, trajes de linho, sorrisos, acenos e eventualmente sanfonas e rabecas.

Curiosa, a piazada ja armou os anzóis no pequeno riacho.

Mais que pescaria, reina a expectativa de entreter-se com os festeiros.

De repente o alegre tumulto:

Surge o comboio!

Água escorrendo cristalina por debaixo da ponte vai saciando a sede dos animais, mulheres e homens apeando das carroças,retocando os cabelos, ajeitando as golas.

Partilham-se caixinhas de pós de arroz, pentes e pequenos espelhos de bolso.As babuscas apertam os lencos de cabeca, a música começa, a cidade está longe...

Alguém, com olhos de quem ama as coisas da terra admira o sítio de dona Pèrcília.

Todos se voltam para ele.

Distante, feito um oásis no topo da colina, tão alto que parece sobreposto às copas das araucárias.

É outono e a fileira de caquiseiros entornando o cercado, veste-se de ocre em meio a paisagem verdejante.

A casa, de um marelo encabulado, parece espreitar a polacada festiva, distante no vale ,à beira da ponte.

[ Nem se dá conta da piazada curiosa salpicada pelos barrancos ]

A comitiva avança entre acordes , guizos e rojões.

Com a boca doce de suspiros, meninos espiam o sitio de Percilia, os caquiseiros em trajes de gala, ñperfilados ao longo da cerca.

Tantas o ocasiões ja os tiveram vistos, mas não com a emoção emprestada agora daqueles olhares eslavos absortos à magia do arvoredo.

E o sábado transcorreu entre assados, modinhas, casórios e bolinhas de gude ao redor do bar do Adélio.

Dona Percília um dia se foi e os caquiseiros prosseguiram por longos anos na faina de pincelar outonos.

As comitivas agora percorriam o trecho em automóveis luxuosos e a piazada da rua do Fomento cresceu.

Ares de modernismos, apropriaram-se do sítio e tudo mudou.

Desajeitado com o saudosista que me habita , rabisquei uns versos tentando falar de minhas lembranças.

Ei-los :

Havia um tempo dum céu de abandono e, ares de outono:

Traziam vocês!

Uma casa sem cor (foi um dia amarela) desbotada aquarela e na frente:

Vocês!

Uma estrada de chão,que cheirava à café. Em manhãs que nasciam , nas janelas que abriam-se...

Espiando vocês!

Pela mesma estradinha,de carroças riscada,festejos cruzavam. Casamentos polacos,rojões...Crepons,*corovais*...De maio era o mês.E olhares eslavos em tons safirados:

Namoravam vocês!

O ar esfriava,o feno dourava,e um céu azulava-se...

Atrás de vocês!

As folhas vermelhas,fagulhas,centelhas...Viajantes do vento,destino ao relento...

Choravam vocês!

Sabia-se um tempo de vida pacata.Terreiros,varandas...

Compadres chegando...Paz,sensatez. E o vale acanhado,num jeito adulado:

Divisava vocês!

Sabe-se agora , dum tempo moderno,por onde aflora incurável surdez.E num céu de abandono,andam ares de outono,mas...

Ceifaram vocês!

IRATIENSE THUTO TEIXEIRA
Enviado por IRATIENSE THUTO TEIXEIRA em 03/07/2021
Código do texto: T7291776
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