TRÊS, TRÊS SEIS, TRÊS NOVE E UM DEZ

Vrum, vrum, vrummmmm! Segura, segura, seguuuuura que lá vou eu! Cuidado, cuidado aiiiií pra não virar, que essa curva é fechada! Mais seguro do que o Airton Sena do futuro. Lá estava eu, falando comigo mesmo, exercitando a minha primeira prova de direção defensiva, dando “cavalo de pau” cantando os pneus e voando baixo nas asas da imaginação, menino traquino ora assentado, ora acocorado no largo pedal e agarrado com as duas mãos na grande roldana da máquina de pé de costura de minha mãe. Até que era advertido por ela dizendo um dos chavões dela. “Sai daí menino, pra não quebrar essa máquina”! E eu cautelosamente me atrevia em dizer: mas mãe, eu tirei a correia que estava folgada! Mas, ela continuava: “Saia daí pra não quebrar, que depois vou dar uns dois pontos com linha urso, que é pra ajustar a correia”! Eu tentava dar uma de obediente e contra minha vontade, interrompia minha prova de direção. E nem podia ser ao contrário, para discordar dela. Porque mamãe era uma exímia comandante.

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Dona Soledade, como mamãe era chamada, não era brinquedo não! Ela era uma viúva séria e honrada, conhecida em toda a Região do Caldeirão e Município de Itabaiana, PB. Professora fina, diplomada em conhecer “astúcia de menino” e “passada na goma e na gorda” no assunto de governar um lar. Fizera o “PhD.” na área de educar filhos, no pleno exercício da criação e educação dos seus treze filhos. Eu era o caçula, “a ponta da rama”!

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Cresci embalado pela sinfonia de expressões fantásticas pronunciadas por ela, aplicadas em dados momento. Por exemplo: “São treze! Seis homens e sete mulheres!”, “De menino, eu conheço às noventa e nove batidas, falta uma pra ladrão de cavalo”! – Por que falta uma pra ladrão de cavalo, mamãe? Eu Sempre perguntava encabulado. Ela respondia na bucha! “- Porque pra saber mais do que eu, de pantim de menino, eu duvido, tá difícil! Se disser que sabe, tá enrolando que nem ladrão de cavalo!”

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Eu já conformado com a interrupção da minha prova de direção, era ordenado a cumprir urgente um mandado, quando ela dizia: “- Vá buscar um coco d’água pra mim ligeiro!” Depressa eu saía a cumprir o mandado e tibungava um copo dentro da grande jarra de barro, que era mantida no canto da parede da cozinha, sempre bem tampada e cheia d’água de cacimba e lhe trazia o líquido precioso. Ela tomava saboreando e depois dizia: “- Coisa boa é tomar água fria do pote, num caneco da beira fina!” Eu falava para ela: - Oxente mãe! Pra mim água é tudo do mesmo jeito, tem o mesmo gosto! Eu dizia por que ainda não sabia muito bem fazer distinção dos sabores do paladar. Ela retrucava dizendo: “Menino não sabe o que é catinga nem cheiro não!” Guardo essas coisas na lembrança até hoje, as quais são como um tesouro para mim.

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Todos os dias, eu costumo acordar bem cedo no meu dia-a-dia. Hoje, perdi a hora e acordei com o som da mensagem no celular. Fui olhar o que era, quando abri o aplicativo, era uma mensagem de Dorinha, uma das minhas irmãs, que é bem apegada a mim, estava escrito assim: “Hoje seria o aniversário dela”!

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De súbito, voltei uns cinquenta anos atrás e me vi lá no sítio onde morávamos. Fechei os olhos, afinei os ouvidos e escutei aquela firme voz que dizia: “- Levannnnta, lenta que meio dia!”.

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Porque o espetacular e invisível relógio de mamãe trabalhava adiantado seis horas. Quando era cedo, para nos despertar ela dizia: “Levanta, que é meio dia!” Às vezes, quando tirávamos um cochilo após o almoço, ela usava a seguinte expressão: “Levanta que é de noite já!” Quando era à noite, nem se fala! Se meus irmãos atrasassem um pouco pra chegar de um evento ou outra atividade, ela exclamava: “Isso é hora de chegar em casa? Os galos já tão cantando, já é de madrugada!” Mas dizia isso no sentido do cuidado que tinha como mãe protetora. Porque muito bem conhecia as horas sem nem olhar para o relógio verdadeiro. La no interior, éramos regidos pelos britânicos relógios que nunca atrasava nem adiantava: “O jumento que zurrava pontualmente às 6h, às 12h, às 18h e às 24h.” Já o galo cantava mais fracionado e amiudando o canto: 24h, 4h, 6h, 10h, 12h, 14h e 16h.

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Os costumes da minha infância ficaram tão impregnados em mim, que uma vez por outra, me apanho com uma janela da memória aberta, com tanta nitidez que fico assustado. Num desses momentos, fechei os olhos por um minuto e escutei: “Três, três seis, três nove e um dez! Três, três seis, três nove e um dez! Três, três seis, três nove! Tá faltando um! Tá faltando! Mergulhei depressa nas águas e estava já se afogando, eu a arrastei pelos cabelos, tirei-a pra fora d’água, ela quase bebendo água e eu gritei: “Pra fora, pra fora tudinho! Quem entrar n’água agora, eu dou uma pisa! Todo mundo pra casa já!”. Era a voz de mamãe contando um dos seus causos verídicos.

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Ora, no inverno, sempre que chovia muito, os açudes ficavam cheios que sangravam e era uma maravilha de tanta água. Verdadeira festa com tanta fartura no interior. Pescaria de jereré nos sangradores dos açudes, recheava o cardápio na mesa. Eu me acostumei aquelas iguarias especiais como, por exemplo: Um prato de piaba frita com macaxeira, eu não troco por caviar de seu ninguém! De forma que no inverno era uma verdadeira riqueza.

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Mamãe contava essa acontecência, que certo dia juntou dez dos nossos irmãos e os levou para tomar banho no Açude Catolé, que estava cheio sangrando e abastecendo o grande Riacho da Corneta que estava no momento com cheia de canto a canto. Chagando lá no Catolé, os meninos ansiosos, se lançaram na água e ela com medo que algum se afogasse, ficava contanto a todo instante: Três, três seis, três nove e um dez. Em dado momento, contou apenas nove e vendo que estava faltando um deles, depressa mergulhou e conseguiu resgatar, diz ela que era a Carmem, que era a mais afoita. Depois, pegou um cipó de marmeleiro e foi severa, riscou no chão, acabou com a festa e mandou todos para casa.

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Estas sabedorias e outras mais formavam o grande conhecimento e a força daquela grande mulher, guerreira, corajosa, sábia e inteligente, que sempre tive como referencial de tudo o que aprendi. Ela foi a base do que me tornei.

Ela completa hoje 105 anos. Na eternidade, onde você estiver Mamãe, Parabéns, pelo seu aniversário!

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João Pessoa, 12 de agosto de 2020.

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Thiago Alves.

A Arte de Thiago Alves
Enviado por A Arte de Thiago Alves em 03/07/2021
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