VOVÔ VIU O LOBISOMEM

Desde a antiguidade clássica a Filosofia Aristotélica já evidenciava os valores empíricos dos saberes que formam um sustentáculo da cultura de um povo. Sobreposto a metafísica e a ciência o empirismo cultural de uma nação é entronizado pela sabedoria e costumes transmitidos de uma à outra geração.

As diferentes mitologias como as mais antigas, a exemplo da grega, a romana, a egípcia, a nórdica também conhecida como mitologia germânica, entre outras, tratam do conhecimento dos mitos, deuses ou semideuses que apresentam comportamentos ou ações sobre naturais.

O poeta grego Homero, que viveu em torno do VIII aC, cita nas suas importantes obras clássicas a Ilíada e a Odisseia, obras estas que viera marcar o preludio da literatura clássica ocidental, amostras em avultados momentos de aparições e incidências dos diversos seres lendários da Mitologia Grega. Desde as discursões no conselho dos deuses do Olimpo sobre o possível destino de Ulisses herói da Guerra de Tróia, em sua tentativa de voltar para a ilha de Ítaca, aos braços da sua amada Penélope, o qual foi grandemente atormentado por Poseidon o deus dos mares, enquanto era protegido por Atena deusa da sabedoria, protetora dos heróis, até a sedução das ninfas anfitriãs na Ilha de Calipso onde ficou preso. Sem esquecer as lendárias mulheres amazonas Antianeiras.

Certamente foi o poeta Homero o grande influenciador da poesia épica presente na obra literária Eneida de Virgílio, que é um ícone da literatura poética em Roma e um expoente na literatura latina, assim como Os Lusíadas de Luiz Vaz de Camões, e grande poeta português.

A Mitologia comparada, trata do diálogo de semelhança ou conexões dos deuses das diferentes mitologias. São entidades de mesmo comportamento que receberam nomes diferentes pela divergência da língua mãe, de cada civilização ou nação. No caso da mitologia greco-romana, alguns deuses semelhantes recebem nomes diferentes como exemplo destes deuses romanos e seus respectivos correspondentes gregos: Júpiter/ Zeus, Diana/ Ártemis, Baco/ Dionísio, Cupido/ Eros, Vênus/ Afrodite e outros mais.

No Brasil, a Mitologia Tupi Guarani influenciada pela cultura indígena, agrega-se a lendas diversas que derivam das culturas miscigenadas das diversas raças que compõem a etnia brasileira. O folclore brasileiro tem uma imensa riqueza, no que se refere às lendas. Personagens como a mula sem cabeça, Iara/ Mãe d’água, saci Pererê, caipora, curupira, boto cor de rosa, negrinho do pastoreiro, cuca, boitatá, cobra grande, vitória régia, comadre fulozinha, lobisomem, entre outros, são influenciadores de contos e causos que se difundem na nação brasileira.

De Norte a Sul do país, o povo tem amplo conhecimento da grande diversidade lendária que enriquece o folclore brasileiro. O Nordeste é o palco dessa cultura, sendo uma das cinco regiões do Brasil, de maior influência lendária da nossa gente. Com expansão de conhecimentos, desde os guetos das comunidades mais carentes, até o apogeu da alta burguesia, o povo tem conhecimento sobre os diversos seres lendários e estes saberes são repassados de pais para filhos, com informações que seja através da escola, que seja pelos avós ou contadores de estórias inerentes aos ambientes diversos.

Eu, que sou um exímio admirador da cultura folclórica, procuro permear essa imensa riqueza cultural, sem me deixar influenciar por valores espirituais contrários à minha Fé Cristã. Procuro aprender e repassar os conhecimentos da cultura do povo nordestino sobre mitos e lendas para conservar as raízes culturais da nossa gente. Tentando me espelhar nos valores da pitoresca vida no campo. Tenho a paisagem de interior, como minha universidade literária, onde faço o mestrado na arte de contar estórias. A cátedra da minha mãe, contribuiu imensamente para fortalecer essa minha vertente.

O maior nicho que encontrei para “vender meu peixe”, foi a sala de aula. Foi ministrando aulas de Matemática e de Arte, que raiz quadrando as “raízes da minha vida”, eu somei todos os conhecimentos, subtraí os medos de me expressar no palco da vida, multipliquei as oportunidades para informações e dividi com meus alunos esta poderosa plateia, as experiências que tive e os sonhos que sonhei acordado, que me inquietavam para impulsionar a cultura na “arte de contar estórias”.

- Professor, eu acabei de receber uma proposta da professora de Português para fazer um trabalho falando sobre lendas do Folclore Brasileiro e eu não sei nem por onde começar! – Me dê uma dica aí professor! Era o pedido de uma aluna minha, toda empolgada. Que atravessava um instante corriqueiro, na euforia da troca de professores entre uma e outra aula, quando eu entrei na sala, me deparei com esta situação. E antes que eu respondesse a inquietante pergunta da aluna, disse “com os meus botões”: Estou encrencado! Porque ainda nem começara a aula e eu já tinha dois problemas extras para resolver. O primeiro, era quando eu iria repor o conteúdo de Matemática? Porque nessas alturas, eu mentalmente, já havia substituído a aula que havia planejado, por um fantástico conto sobre mitos e lendas. O outro problema era para convencer na turma, uma gama de alunos exigentes, que o conto que eu iria iniciar, teria tudo a ver com o conteúdo para a prova seguinte.

- Você vai falar sobre que lendas? Indaguei a aluna que me perguntara e ela me respondeu: Vou falar sobre qualquer uma, eu ainda não sei qual. E eu emendei: -Tenho alguns “contos matemáticos” interessantes, que talvez possa lhe ajudar. Se a turma concordar eu conto um. Depois que a turma se acalmou um pouco, eu “temperei a garganta” e bradei: - Quem quer ouvir um conto matemático hoje? Todos levantaram as mãos num ato de um aceite como resposta. Eu repliquei: - Esse assunto cai em prova ouviram? É preciso muita atenção! Numa lapada só, eu matei a falta de interesse que pudesse aparecer e não precisei falar sobre o conteúdo que havia planejado para aquela aula. Embora agora eu estivesse comprometido até a alma, porque agora eu teria que colocar na prova de Matemática, uma questão que falasse sobre o assunto do conto que eu iria passar a contar para eles. Mais isso seria moleza, bastava contextualizar a questão e estaria resolvido.

Comecei então.

- Não sei se vocês acreditam, mas uma das lendas mais populares, que eu conheço é a Lenda do Lobisomem! Antes que eles respondessem eu continuei: - E tem três casos verídicos sobre lobisomem que eu conheço! Aí começou um “zum, zum, zum”. E entre a confusão do “eu não acredito” e “eu já ouvi falar,” eu bradei: - O primeiro conto, é o seguinte: “Vovô viu o Lobisomem”, o segundo é: “Meu tio brigou com o Lobisomem” e o terceiro é: “Quando eu vi o lobisomem”!

Então fui interceptado com a empolgante pergunta de um aluno que levantara a voz em tom de espanto, lá do meio da sala: - O senhor viu o Lobisomem professor? – Sim senhor! Exatamente! Euzinho aqui, vi sim o lobisomem!

Agora eu tinha conseguido a atenção total e a curiosidade para saber como se dera o caso. – Porém eu logo “puxei o tapete” deles e disse: Eu vou começar pelo primeiro caso que é: “Vovô viu o Lobisomem” e em outro momento, contarei os outros dois. Agora, a sala estava um silêncio absoluto!

Então eu comecei:

- Há muito e muito tempo atrás, lá numa cidadezinha do interior da Paraíba, chamada Itabaiana, quando ainda não havia lá, luz elétrica. A iluminação da cidade era feita com lampiões a gás que eram pendurados nos postes e acesos durante a noite para iluminar as ruas. As pessoas viviam naquela vida simples e a sobrevivência das pessoas era a base de agricultura e do comércio das feiras livres. E em Itabaiana, tinha e ainda hoje tem, uma das maiores feiras livres do Nordeste. Inclusive, foi inspirado nesta feira, que o grande mestre da Sanfona, Sivuca, escreveu com sua esposa Glorinha Gadelha, a música “Feira de Magaio”, que é conhecida no mundo todo.

Pois bem, o meu bisavô materno, morava em Itabaiana e trabalhava com agricultura e criação de porcos. Toda semana ele fazia o abate de porcos e vendia na feira local e a cada quinze dias também vendia em outras cidades. Naquele tempo não havia automóveis e o transporte dos produtos era feito no lombo de mulas e de cavalos. Meu bisavô também transportava carne de porco para a feira do Recife, Pernambuco. Fazia isso duas vezes no mês. E acontecia assim: Ele fazia o abate dos porcos e carregava dois grandes caçuás e atava sobre uma cangalha num possante cavalo de raça manga larga machador e viajava com dois ou três colegas com as mesmas mercadorias, cada um em seu cavalo. Ora, de Itabaiana à Recife era uma distância de cerca de 19 léguas. Eles partiam de Itabaiana, por volta das 20h, viajavam a noite toda e chegavam ao Recife no amanhecer do dia seguinte, para entregarem a mercadoria para a feira no Mercado São José.

Meu bisavô era desses típicos sertanejos, que “dormia com as galinhas” (cedo da noite) e “acordava com o cantar do galo” (ainda de madrugada). Certa vez, quando acordou e foi cuidar dos animais encontrou seus vizinhos que iam passando para a labuta do dia, cujos eram seus costumeiros companheiros de viagens, e logo falou: - Eita meus compadres velhos, hoje a noite nós iremos ao Recife para a entrega de carne de porco! Vamos nos preparar? E para sua decepção, um disse: Meu compadre, eu não posso ir porque prometi amanhã cedo, ir olhar uns bois para comprar. Outro falou: compadre, eu também não vou esta semana, porque estou deixando meu rebanho engordar mais um pouco para ver se consigo um preço melhor. E o terceiro disse: Meu compadre, eu também não posso ir, porque amanhã, prometi a minha mulher que iríamos visitar a mãe dela que faz dois anos que não visitamos, e você sabe sogra como é, não?

Meu avô era do tipo de cabra macho que não temia a nada. Desses que “não abre nem pro trem”. Depois do desvanecimento dos três compadres em irem com ele, disse assim: - Pois eu vou sozinho nessa viagem de hoje à noite e não quero nem saber. Isso era uma sexta-feira de manhã cedo. Porque eles costumavam viajar a noite para chegar no sábado cedinho na feira do Recife.

Logo depois que ele cuidou dos animais, tomou um reforçado café da manhã, com cuscuz, queijo e ovo de “galinha de capoeira”. Em seguida chamou seus ajudantes e começou o abate dos porcos. No final do dia a carga estava pronta para viagem. Ele jantou e descansou um pouco, até que chegasse a hora certa para seguir viagem.

Após carregar o possante cavalo, viu que estava tudo pronto, montou no cavalo e lembrou de sua arma branca que sempre carregava com ele e disse: - Oh, Mororó, me traz aí a minha espada! Se dirigindo ao seu filho mais velho, que mais tarde seria o meu futuro avô, o pai da minha mãe. E depressa, Mororó pegou a espada e lhe entregou. Ele partiu imediatamente, cavalgando em sua montaria a passos longos, em passadas baixeiras.

Era noite de lua cheia e o céu estava limpo, mostrando sua imensidão estrelada. Naquele tempo as estradas ainda não eram asfaltadas. Eram estradas de areia e estreitas, próprias para trafegar pessoas a pé, a cavalo e a carro de boi. Nesse período havia uma grande conservação florestal e pouco se notava a diferença na confluência do bioma da média Caatinga com o brejo e a Zona da Mata. A estrada era ladeada por uma mata densa de ambos os lados como se fosse uma grande alameda. As grandes árvores cobriam o caminho, onde se podia ver o brilho da luz da lua, que passava pelas brechas das copas das árvores, iluminando a longa estrada de areia branca.

A cada dois ou três quilômetros, avistava-se na beira da estra, uma ou outra pequena casa de taipa, com as portas fechas e dava-se para notar pelas brechas da porta a ofuscada luz de candeeiro que brilhava amarelada. Aquelas simples residências, sempre estavam guarnecidas por dois ou mais cachorros, que costumavam latir anunciando algum transeunte que se aproximava. E lá estava dois desses guardiões latindo bravamente, enquanto ali passa o bravo cavaleiro na sua possante montaria, como que desfilando na passarela da noite.

A brisa da noite soprava levemente, num clima bastante agradável e o silêncio era quebrado apenas pelo barulho das metrificadas passadas do cavalo manga larga machador, enquanto vovô seguia naquela imensidão noturna. Próximo da meia noite, ele ouviu ao longe um latido de alguns cachorros, cujo som vinha de trás por onde ele já havia passado. Os latidos dos cachorros pareciam se aproximar cada vez mais dele, que em contrapartida, acelerava mais o cavalo.

Houve um silêncio momentâneo e o vento açoitava as folhas das árvores, com mais força, causando um certo sobroço ao viajante. De repente, ao descobrir em uma curva da estrada, um enorme animal, do tamanho aproximadamente de um jumento, de cor escura, pulou na frente do cavalo, assustando-o, que freou bruscamente. E segundo vovô, o bicho tinha movimentos muito veloz e na penumbra da noite não dava para identificar detalhes do formato dele. Este, certamente chegara atraído pelo cheiro da carne de porco e em suas investidas, tentava atacar o cavaleiro, pulando de um lado para o outro, passando por cima do cavaleiro, como que voando e repetia os ataques. Disse vovô, que nunca agradeceu tanto a Deus, por não ter esquecido da sua espada, que naquele crucial momento, era com que se defendia dos ataques mortais daquela fera.

A cada investida da fera sobre o destemido cavaleiro, este ficava mais fragilizado e os repetidos ataques, gradativamente ia o deixando cansado. Pois o esforço era imenso para se equilibrar entre os bruscos desvios do cavalo e os golpes de defesa com a espada que brilhantemente empunhava, que era a causa do bicho não o alcançar. Num destes ataques, o cavalo levantou as patas dianteira e vovô foi escorregando por trás do cavalo e teve que se segurar com uma única mão no cabeçote da cangalha, o que evitou sua queda e com bastante esforço e destreza, retornou ao lombo do cavalo.

No momento deste último ataque, veio chegando uma mantilha de cães numa estupenda latrumia e avançaram contra aquela violenta fera, que aos pulos saltou para dentro do mato e desapareceu mata adentro, amedrontada pelos cachorros. Vovô no cavalo acelerado, foi chegando numa pequena casinha daquelas da beira da estrada, onde mais um cachorro vigilante da casa latia intensamente. Assim sendo ele aproximou-se e apressadamente, bateu à porta da casa para pedir um poco de água para beber que estava sedento com aquele acontecido.

Uma luz de candeeiro foi acesa dentro da casa e lá de dentro, uma voz sonolenta de alguém perguntou: - Quem está aí e o que deseja? – Sou eu, meu senhor! Respondeu meu avô. - Me dê um pouco de água por favor, que estou com muita sede! Insistiu vovô, partindo a voz por tamanha aflição que passara a instantes atrás. O dono da casa abriu a parte de cima da porta e lhe deu água. Após tomar a água, o dono da casa perguntou: O senhor está viajando sozinho nesta estrada? Vovô respondeu: Estou sim! E o homem continuou: - Porque é muito perigoso nesta época! Dizem que está aparecendo lobisomem. Esta semana mesmo, ele matou uma pessoa num sítio próximo daqui.

Então, vovô contou para aquele senhor o que havia acontecido minutos antes. E aquele senhor lhe disse com cara de espanto: - Isto foi um lobisomem! E insistiu para que ele ficasse e pernoitasse, para seguir viagem quando o dia amanhecesse. O assustado viajante, prontamente aceitou. Aquele senhor o ajudou a descarregar o cavalo e o pôs numa cocheira que havia ao lado da casa, depois armou uma rede na sala da simples casa e ofereceu para o viajante dormir. Este, com o emocional abalado, rezou o restante da noite, deitado naquela rede e não conseguiu dormir.

Por volta das quatro e trinta da manhã, o viajante se levantou, chamou o dono da casa, que o ajudou a carregar novamente o cavalo. Ele agradeceu imensamente ao dono da casa pela hospitalidade que recebera e seguiu viagem. Neste dia, foi chegar ao Recife por volta das onze horas da manhã. Logo após entregar a mercadoria, neste dia, não se demorou e mesmo com os encantos da variedade de produtos do Mercado São José, sua preocupação foi em encontrar alguém que viesse no mesmo destino de volta a Itabaiana. Após encontrar uns dois acompanhantes, partiram de volta por volta das treze ou quatorze horas e neste dia ele chegou em casa em torno das dezenove horas.

Em casa o herói viajante, contou detalhadamente todo o acontecido, o que deixou a família muito preocupada. E este caso serviu de lição para que ele nunca mais andasse sozinho nestas longas viagens que sempre fazia. Aquela história se espalhou e cada pessoa que chegava a sua casa, queria saber como se deu o caso em que “Vovô viu o Lobisomem”. Este caso foi repassado para filhos e netos e ainda hoje existe a espada daquela heroica luta do meu avô com o lobisomem.

João Pessoa, 08 de julho de 2021.

Dom Antonio Joaquim Alves (Thiago Alves)

Embaixador da Paz Mundial - Núcleo Paraíba, Brasil

World Parlament of Security and Peace WPO

A Arte de Thiago Alves
Enviado por A Arte de Thiago Alves em 09/07/2021
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