A Educação e o Lego

Tão ou mais importante do que as lições repassadas pelos nossos pais é o uso que faremos desse material. Há quem se paute por ele considerando ser caminho já percorrido e portanto, seguro. Não precisamos nem devemos copiar tudo feito clones nem pisar exatamente nas mesmas pedras do riacho onde não há limo, mas já temos uma ideia aproximada dos lugares onde temos menos chance de escorregar. Um tombo aqui outro acolá fazem parte do crescimento e disso ninguém duvida, endurece a couraça. O fato é que seguiremos o nosso próprio caminho, mas com dicas preciosas que nos economizam sofrimento. Às vezes enganamo-nos e tentamos tolamente marcar a trilha para retornar à casa com miolo de pão igual João e Maria fizeram e nos damos mal porque os passarinhos devoram todos os miolos deixando-nos bem perdidos (aliás, como sofrem essas crianças do conto dos irmãos Grimm!). Pois então, sou a favor de escutar os mais velhos e assim assimilar ao máximo a educação transmitida, mas tem a outra turma que antagoniza totalmente e rejeita tudo que vem das gerações anteriores.

Não me refiro aos pais patrões e partidários da educação rigorosa sem abrir margem para o diálogo com os filhos, mas daqueles que tentam iluminar o caminho tal qual o farol guia as embarcações. Educar é tarefa árdua e desafiadora, muitas vezes frustrante, mas tem um lado muito compensador quando as crias voam sozinhas.

Acho incrível a banda rebelde porque em algum momento, quando menos perceberem, estarão reproduzindo o “modus vivendi” de seus pais exatamente da forma descrita na música “Como Nossos Pais” de Belchior. Ironia do destino que já vi às dúzias por aí. Querendo ou mesmo sem querer, porque passado o furor da juventude em que se levanta bandeiras contra qualquer norma jamais escrita (Hay gobierno? Soy contra!) a pessoa vai se estabilizar e mesclar as crenças recebidas com as adquiridas ao longo da estrada e raciocinar o que é melhor de verdade para si e os seus sem a birra infantil de remar contra a maré. Há muito mais em jogo do que bater o pezinho porque pensa que o mundo é injusto. Desde quando o mundo é justo? Traduzindo em linguagem simples: Os pais educam, mas a vida educa bem mais depois de sovar o indivíduo como massa do pão. Aí ele aprende na marra.

A educação é como a cultura, vai sendo construída continuamente peça por peça igual a um jogo de Lego (quem não sabe o que é Lego, é um brinquedo infantil de montar blocos formando objetos dos mais variados). Uns montam um Lego bem modesto que não evolui, mas se há interesse e empenho dá para fazer um Lego da vida colossal onde o limite é a criatividade. E ninguém o monta por nós, é individual e intransferível. Podem roubar o seu dinheiro, seus livros e seu notebook onde as aulas e trabalhos estão arquivados, mas não podem roubar sua educação e cultura. Dá raiva em certos invejosos bastante desprovidos dos dois. Vale até mesmo mencionar que irmãos criados juntos podem ser radicalmente diferentes em termos de educação e cultura, o que é evidente se é questão de puro empenho e interesse. Aí entram a personalidade, a índole, a curiosidade e, por que não, a inteligência. Um devora a fruta da casca ao caroço com todas as vitaminas que oferece enquanto o outro morde-a depois larga. Educação não é um espírito que toma o sujeito de assalto, tem que ser trabalhada.

Admiro autodidatas, esses assimilam como esponjas tudo que podem de suas famílias e mestres na escola e ainda correm por fora lendo muito, frequentando bibliotecas quando não há recursos para comprar livros muito menos computadores. São desafiadores das circunstâncias, exemplos para quem recebe todas as vantagens graciosamente e ainda torce o nariz. A sorte está ao lado de quem deixa a porta aberta para ela entrar, uma hora ela vem se a própria pessoa criar um ambiente propício.

Seria hipocrisia afirmar que o dinheiro não facilita, a voz do dinheiro nem fala, ela grita, mas não se constrói um castelo de Lego somente com o que o dinheiro compra, a argamassa é feita de educação e cultura. Basta relembrar alguns exemplos de grandes empresários que erigiram sólidas firmas praticamente a partir do zero sem heranças. Do outro lado está o camarada que dilapidou o patrimônio que seus avós e pais lutaram tanto para conquistar viajando, esbanjando sem se incomodar em trabalhar para conservar e aumentar. E entre esses dois opostos está um monte de gente que não venceu nem soube identificar a razão.

A educação no sentido da gentileza não é como aquele preço da verdura na feira que é cobrado de acordo com a cara do freguês, precisa ser geral ou então a pessoa possui múltiplas faces. Não daria para criticar a má conduta alheia se você a reproduz, veja como você cai nessa esparrela… Não, a educação é algo tão bom que deveria surtir efeito contrário. Os estúpidos é que deveriam ser envolvidos e convencidos de que a paz merece ser cultivada, mas na prática não é o que ocorre. Cada um com suas qualidades poderia formar com seus contatos um conjunto tão harmonioso quanto os instrumentos de uma bela orquestra. Mas preferem brigar e bater cabeça por causa de alguém que se distraiu e amassou o para-choque do seu carro (não adianta, já amassou) ou por considerarem que seu time joga melhor, seu partido político é o mais adequado para o bem de todos e a lista tangencia o infinito. Uma lástima.

Mas como o humano é falho na essência não se pode esperar demais dele, não é defeito de fábrica, é humanidade, precisa evoluir. Pegar uma montanha de pecinhas coloridas de Lego para construir pontes e viadutos a fim de conectar pessoas ao invés de isolá-las nem que para isso precise “desconstruir” alguns conceitos que já não lhe servem mais.