A pequenez e a grandeza das coisas

Daqui de cima, a cidade faísca, incandescente. As luzes formam paralelos, diagonais e outras linhas mais imprecisas, traçando caminhos que já foram traçados por tantos, iluminando moradas de quem é, já foi ou será. Não é possível enxergar muito além dessa vastidão irregular de pontinhos luminosos. É belo e, ao mesmo tempo, aterrador.

Sinto-me grato por poder contemplar tamanha grandeza e tamanha pequenez: esse é o paradoxo da nossa existência, afinal.

Ao meu lado, é você quem me lembra disso. Você vê além das luzes: para cada uma delas, há casais em guerra, quebrando a promessa do amor eterno; outros entrelaçados, fazendo tal promessa entre gemidos de prazer; há uma família aos prantos por um filho perdido; outra que ri e festeja porque o filho finalmente se encontrou; há crianças que, pela primeira vez, respiram; mas há aqueles que o fazem pela última vez...

Para todos eles, eventos com particular grandiosidade. Para quem vê daqui...

- Nada - você diz.

Uma cidade inteira abaixo de nós, fervilhando de vida, de histórias, e o que sabemos sobre elas? O que as pessoas lá embaixo sabem umas sobre as outras? O que significam, representam, naquele todo luminoso?

Nada. Mas, ao mesmo tempo, tudo.

Sinto-me, mais do que grato, emocionado. Continuo observando as luzes da cidade pela janela do carro. Será que alguém lá embaixo está retribuindo meu olhar? Será que também tenta enxergar além da pequenez das coisas?

E o que enxergaria, se tentasse?

Volto-me para você. Quero agradecer, mas não consigo dizer nada. Sua mão toca a minha perna e eu sorrio. Percebo, então, que estou vivendo um desses eventos de particular grandiosidade.

Lucas V O França
Enviado por Lucas V O França em 21/07/2021
Código do texto: T7304307
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