A Sra. STAFINSKA

                     Diário de minhas andanças
                             05/06/2011


      "...Naquelas cumeeiras a desafiar o tempo,janelas
      arredias eram guardiãs dos segredos de sótão"



E um vento gelado varria a colina na tarde de domingo.
Cruzei a porteira .
Palmeiras perfiladas pontilhavam o trecho que dava para aquela casa que há muito me atraía.
De outra residência, num estilo moderno, plantada ao meio do caminho,recebo a informação de um jóvem rapaz.
-Ali reside a minha tia.(a casa estava fechada).Ela deve estar por ali...
Olha ela!...
Disse-me com entusiasmo ,apontando para um vulto feminino esquivando-se numa varanda logo atrás da casa.
Estacionei o carro e fui me dirigindo à casa típicamente polaca (veio-me à lembrança a casa de Grudinska, velha polonesa amiga de nossa família, não mais entre nós)

A primeira reação assim que me apresentei e lhe falei de meus propósitos (fotografar a casa e inserir a imagem num site da internet) foi de espanto.
Logo apareceu a sua irmã, com ares de desconfiança, questionando a minha atitude.
Vencido o primeiro impacto,e tendo lhes convencido de que as minhas intenções eram boas, fluiram os ânimos e entabulamos um dedo de prosa que estendeu-se num longo e agradável bate papo.
Estava diante de dona Maria Stafin, a senhora Stafinska,como é conhecida, e tratado com tôda a cordialidade que emana dos descendentes de poloneses de minha região.
Em poucos instantes falamos de "borshi" (sopa de beterraba) "pierogue" (pastel cozido,recheado com ricota e batata e bezuntado ao molho de tomate,frango ou nata) "pivo" (cerveja caseira) "corovai" (uma cuca doce, recheada ,e encoberta com farofa) e tantas outras "amenidades do gênero",à mim tão familiares,dado o convívio com a familia de minha esposa, também de origem polonesa.
Como sou casado com uma polaca,e tenho o sobrenome Teixeira,brinquei dizendo:
-Então quando eu morrer minha espôsa passará a chamar-se;"Viúva Teixeiroska",rsrs...
[Faz parte da tradição, transcrever o sobrenome da viúva no feminino após a partida do finado]
Esta pequena descontração foi o suficiente para que travássemos uma amizade.
Stafinska ,com certa dificuldade para andar,apoiava-se numa bengala.Sua aparência era extremamente dócil. Na face rechonchudinha as maçãs do rosto ,salientes,tinham um rosado vigoroso contrastando com seus olhos de um azulado intenso.Os cabelos ligeiramente grisalhos davam-lhe o toque final ao semblante eslavo.
Recomendou-me os ângulos preferidos para que os fotografasse.
Saí fotografando e sorvendo gulosamente aquêle cenário encantador.

Aves e animais dispersos pelo potreiro,tratores,carroças,velhos arados...
Duas palmeiras carcomidas pelo tempo naquilo que certamente fora um dia o jardim de Stafinska.
Algumas roseiras,um jasmineiro e a mansidão da colina a espiar o mais belo por de sol.
Uma estradinha de chão,dentro da propriedade e videiras estaleiradas ao redor à perder de vista.
[Exageros à parte,sugeria os caminhos do jardim do Edem]
Cães ,vadios e bem tratados, estirados sob o arvoredo.
Duas laranjeiras erguiam-se na lateral da casa .Dos galhos pendiam em abundância frutos sumarentos.

Era bem mais do que eu poderia esperar para um domingo ungido ao frio cortante de junho.
A simplicidade e a garra desta gente que desbravou os caminhos do Sul,decididamente, encanta-me.
Estas casas do tempo ,que estão desaparecendo aos poucos,são resgates de nossa história.E tenho a certeza de que se por ali permanecesse um pouco mais certamente teria me servido da mesa polonesa que costuma apresentar-se sempre muito farta,acolhedora e generosa à quem aparece para uma visita.
Prometi à dona da casa que estaria ainda hoje postando um pouco dêste nosso encontro, inserido da foto de sua casa.
Ela sorriu dizendo-me:
-Vais colocar a minha casa na internet?...Desse jeito acaba assustando as pessoas de Irati.
-Ao contrário,lhe respondi.Sua casa será vista ,e admirada, pelo mundo,rsrs...
Nos despedimos e tomei o meu caminho de volta cruzando as palmeiras perfiladas já sem a luz do sol.
Um vento assoviava a canção gelada de inverno do Sul.Os traços de céu prenunciavam um anoitecer tipicamente sulino quando as estrelas parecem recostar-se no travesseiro dos montes para suprir ausências de vagalumes.

No aconchego do carro, estimulei Simon & Garfunkel a me emocionarem uma vez mais com a divina "Ponte sobre águas turvas".
Pela estradinha sinuosa,levava no peito a satisfação de ter conhecido a "Senhora Stafinska".
IRATIENSE THUTO TEIXEIRA
Enviado por IRATIENSE THUTO TEIXEIRA em 22/07/2021
Reeditado em 22/07/2021
Código do texto: T7305259
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