OS PÓS DE MINHA VIDA

Sem constrangimento, afirmo sim que tenho saudades dos “pós” de minha vida. Daqueles dos tempos de “piá”, como se fala aqui pelas bandas das araucárias. Lembro de minha saudosa mãe logo ao amanhecer espalhando o “pó” do café em um coador de pano, não demorava e o inesquecível aroma se espalhava por toda a casa. Após aquele café, estávamos pronto para iniciarmos o dia.

Não demorava e lá estava eu admirando outro “pó” que não alimentava o corpo, mas a alma do piazito, aquele que levantava dos pneus de minha bicicleta pelas ruas de chão batido. Bicicleta que não servia só a mim, mas também aos irmãos. Quando um avião sobrevoava a cidade se preparando para aterrissar, literalmente minha bicicleta também voava juntamente com as outras de meus amigos, íamos todos rapidamente em caravana em direção ao “campo de aviação”, pois era assim que nós chamávamos na época o aeroporto. Queríamos ver o avião chegar, aterrissar, e ver quem estava chegando. Ficávamos longo tempo paralisados, admirando aquela esplendida máquina de voar. Quando o avião se preparava para levantar voo, nos posicionávamos atrás dele para levarmos os ventos das hélices, ficávamos um só “pó”, era tanto que o cabelo ficava espetado. Quando o avião levantava voo não sabíamos o seu destino, mas só tirávamos os olhos dele após não mais vê-lo. Éramos como que radares, como que guardiões dos céus daquele vôo.

Após todas aquelas pedaladas, aquelas correrias de bicicleta, logo estávamos nós novamente nos divertindo em outro “pó”, aquele que levantava dos campinhos de terra, das peladas de futebol, onde com fértil imaginação por algum tempo rapidamente transformavamos em Pelé, Garrincha, ou em outro famoso craque. Por fim, após estarmos esbaforidos, íamos para casa na busca ainda de outro “pó”, desta vez, era do “pó” do famoso Ki-suco, aquele bem barato. Fazíamos dois litros de suco com um pacotinho. Após matar a sede a vida ficava mais colorida, ou melhor, a língua. Caso o sabor fosse de framboesa, ficava vermelha, se de abacaxi, amarela. As cores permaneciam um bom tempo na boca. Ahh... quanta saudade daquele “pó”.

O tempo foi passando, não demorou e estava eu envolvido com os bailes de carnaval: "{Bandeira branca, amor} {Não posso mais} {Pela saudade que me invade eu peço Paz} {Saudade mal de amor, de amor Saudade} {Dor que dói demais} {vem meu amor} {Bandeira branca eu peço Paz}". A verdade é que estava eu novamente envolvido no “pó”, aquele que levantava nos salões, das pisadas firmes e alegres das marchinhas de carnaval.

A verdade é que hoje não vivo mais esses “pós” que propiciaram tantas alegrias, o tempo e o espaço deles se encarregou. Mas o filtro da vida os “pós” purificou, deixando somente o pó de ouro da compreensão, de que aqueles momentos valeram à pena. Que o que vale a pena é ser simples e humilde. Que não tem sentido querer ser melhor que alguém, se no final de tudo somos todos iguais, morreremos um dia. Pois: “Do pó viemos, ao pó voltaremos”.